Apoio para petição ambiental

“O atual desequilíbio ecológico extremo em que vivemos tem consequências que não se limitam à pandemia ou à fuga de investidores devido ao desmatamento na Amazônia.
As consequências das mudanças climáticas causadas pelo acúmulo dos gases do efeito estufa ameaçam a existência da civilização humana como conhecemos.”

Dentro do compromisso da Ação para Felicidade, de nos preocuparmos com o bem-estar alheio, não podemos ignorar a atual crise ambiental. Nos engajarmos em alguma causa também está ligado à chave do propósito.

Dentro desse espírito, sugiro aqui a assinatura de uma petição online de apoio a um projeto ambiental importante, para que se declare emergência climática no Brasil:

https://www.change.org/emergencia-climatica

A iniciativa é de um grupo irmão aqui da Ação (que tem alguns membros em comum), o XR + amor em SP.

Como o altruísmo pode salvar o planeta

matthieu-ricard-natureNesta entrevista, o monge francês especialista em felicidade e altruísmo Matthieu Ricard fala sobre a relação entre altruísmo e ativismo ambiental.

Ricard era famoso por ser uma autoridade em felicidade, em todos sentidos. Não apenas escreveu um livro que cobre o tema de todos os ângulos (“Felicidade – A prática do bem-estar”), mas ao ter seu cérebro analisado via ressonância magnética, em uma pesquisa que estudou o cérebro de meditadores, ganhou o apelido de a “pessoa mais feliz do mundo”.

Agora seu foco é o altruísmo, assunto que pesquisou intensamente nos últimos cinco anos, principalmente do ponto de vista científico, resultando em um tomo de 720 páginas: “A revolução do altruísmo”.

Em julho deste ano, Ricard foi entrevistado pelo ambientalista Mark Tercek, presidente da Nature Conservancy.

Mark Tercek: Adorei seu novo livro, “A revolução do altruísmo”, e como ele desafia as pessoas a serem mais altruístas para tornar o mundo um lugar melhor. Qual é a sua definição de altruísmo?

Matthieu Ricard: Altruísmo é um estado mental benevolente. Ser altruísta é estar preocupado com o destino de todos à nossa volta e desejar o bem deles. Isso deve vir junto com a determinação de agir pelo benefício deles. Valorizar os outros é o principal estado mental que leva ao altruísmo.

Quando o altruísmo é nosso estado mental dominante — nosso estado-padrão — ele se expressa como benevolência em direção à qualquer um que entre em nosso campo de atenção, traduzindo-se como boa vontade, prontidão e disposição para cuidar dos outros. Quando percebemos que os outros têm uma necessidade premente, geramos preocupação empática. Quando a necessidade se refere ao anseio por felicidade, o altruísmo estimula a realização dessa aspiração. Quando a necessidade se refere a sofrimento, a compaixão irá nos induzir a remediar o sofrimento e suas causas.

Devemos, obviamente, fazer todo possível para colocar o altruísmo e a compaixão em ação. Contudo, não devemos limitar o uso da palavra “altruísmo” a ações externas, já que não temos como saber ao certo qual é a motivação que as inspira. Um obstáculo para alguma ação — algo que está além do controle da pessoa querendo agir — não diminui em nada a natureza altruísta de sua motivação.

Obviamente, eu gosto especialmente da ênfase que o livro dá aos desafios ecológicos e em como o altruísmo pode dar suporte a um robusto progresso na área ambiental. Que conselho você dá para ambientalistas sobre como ser mais altruísta nesse trabalho?

A questão do meio-ambiente é algo complexo nas esferas científica, econômica e política. Mas no final é uma questão de altruísmo versus egoísmo. Se não ligamos para o destino das gerações futuras e das milhões de outras espécies que são nossos co-cidadãos neste mundo, não iremos nem perceber que há um problema ambiental!

Alguns podem pensar que isso não importa, pois não estarão aqui em 100 anos. O comediante Groucho Marx é famoso por ter dito: “Por que eu deveria me importar com as gerações futuras? O que elas fizeram por mim?”. Infelizmente, um bom número de pessoas hoje diz isso de modo sério.

Então, meu humilde conselho aos ambientalistas seria demonstrar e explicar que o altruísmo é o único conceito que pode conciliar as necessidades da economia no curto prazo, a qualidade de vida no médio prazo e as questões ambientais no longo prazo.

Vamos assumir que a maioria de nós sejamos basicamente boas pessoas dispostas a construir um mundo melhor. Nesse caso, podemos fazer isso juntos graças ao altruísmo. Se tivermos mais consideração pelos outros, iremos promover uma economia mais humana, e iremos promover a harmonia na sociedade e remediar desigualdades. Iremos fazer tudo que for necessário para não transgredir os limites do planeta, onde a humanidade e o restante da biosfera possam continuar a prosperar.

Temos que demonstrar o fato de que estamos todos no mesmo barco — de modo fundamentalmente interdependente — e que precisamos aprimorar nosso nível de cooperação e solidariedade.

Um dos desafios que nós ambientalistas encontramos é que há empresas, governos e pessoas engajadas em atividades extremamente prejudiciais ao ambiente. Como podemos lidar com tais agentes de modo altruísta?

Se acreditamos que uma sociedade mais altruísta é possível, não devemos ficar desencorajados aos nos deparar com as diversas expressões de egoísmo. Quando um cínico grupo de interesse faz do próprio lucro a prioridade absoluta, ignorando as consequências prejudiciais de suas atividades para a população e toda a biosfera, é legítimo falar sobre egoísmo institucionalizado.

A melhor maneira é agir em conjunto para efetivarmos uma mudança de cultura. Felizmente, culturas mudam mais rápido que os genes. Hoje, ninguém ousaria dizer em público: “A escravidão até que não era mal” ou “Por que não anulamos a decisão de deixar as mulheres votarem?”. Há um ponto em que você se dá conta de que não é mais possível apoiar certos tipos de comportamento.

Hoje, se você dizer a investidores ou empresários cínicos, negadores do aquecimento global ou executivos da indústria do tabaco, que eles precisam ser compassivos, provavelmente eles responderiam que até podem ser compassivos em um nível pessoal, mas que isso não é o trabalho deles. No entanto, hoje já se tornou quase impossível alguém dizer: “Eu não me importo com as gerações futuras”, “Não ligo para a miséria em meio à riqueza”, ou “Não ligo se houver 200 milhões de refugiados do clima em 2030”.

Precisamos ajudar as pessoas a compreenderem que elas são seres humanos, com mecanismos cerebrais embutidos para cuidar e se importar com os outros, e que elas podem (e devem) trazer sua humanidade para o trabalho. É possível mostrar a elas que nessa situação todos ganhariam.

Admiro a ênfase em ciência simples e direta de seu livro. Você afirma que a ciência é clara: podemos treinar nossas mentes para sermos mais bondosos e compassivos. Por favor, fale mais disso.

Há muito tempo existe uma premissa nas áreas de psicologia, economia e evolução de que o ser humano é essencialmente egoísta. Mas nos últimos 30 anos, novas descobertas científicas demonstraram que o altruísmo genuíno existe e que pode ser estendido além de nosso círculo próximo para outras pessoas e espécies.

A colaboração entre neurocientistas e meditadores mostrou que o altruísmo e a compaixão são habilidades que podem ser cultivadas com o treino. Pesquisas demonstraram sem ambiguidade que o treinamento em altruísmo e compaixão provoca alterações funcionais e estruturais no cérebro, podendo até alterar a expressão genética [epigenética]. Esses estudos também possibilitaram a diferenciação entre empatia (faculdade de ressoar com os sentimentos alheios), altruísmo (o desejo de que os outros sejam felizes) e compaixão (o desejo de que eles estejam livres do sofrimento).

Apesar de a competição ser algo em geral mais visível e espetacular que a cooperação, estudos recentes mostraram que a evolução precisa de cooperação para criar altos níveis de organização. Tudo indica que hoje estamos precisando nos mover para o próximo estágio de cooperação, para poder lidar com os muitos desafios de nosso tempo.

Acredito que ambientalistas se dariam melhor se brigassem e discutissem menos, e colocassem ênfase na busca por pontos em comum, colaboração e cooperação — mesmo com alguns dos agentes considerados como os “vilões”. Mas críticos acham isso ingênuo. O que você pensa?

É muito melhor ganhar as pessoas trazendo o melhor delas à tona. Isso geralmente pode ser alcançado encontrando-se pessoalmente sempre que possível. Lembre-se do que disse Nelson Mandela, sobre o tipo de atitude pode ajudar causas ambientais ou políticas:

“Sempre soube que nas profundezas de cada coração humano há misericórdia e generosidade. … Para odiar, as pessoas precisam aprender a fazer isso, e se elas podem aprender a odiar, então podem ser ensinadas a amar, porque o amor vem mais naturalmente ao coração humano do que o oposto. … A bondade é uma chama que pode ser ocultada, mas jamais extinta”.

Essas não são palavras de alguém perdido em devaneios utópicos, mas de alguém que venceu o egoísmo institucionalizado de pessoas que, à primeira vista, não pareciam inclinadas a praticar gentileza e compaixão.

Qual a melhor forma de ampliar e acelerar nossos esforços para proteger a natureza? Você acha que as práticas de treinamento da mente em que você é campeão podem se disseminar amplamente a ponto de realmente mudar o mundo?

Sim, trazer para um nível ótimo nossas capacidades de cuidar e se importar com os outros, incluindo outras espécies e gerações futuras, é algo que todos podem fazer. Sempre me surpreendo com o fato de ninguém questionar a necessidade de tempo e esforço para aprender a ler e escrever, tocar um instrumento, treinar um esporte, adquirir habilidades profissionais. Por que então as pessoas assumem que qualidades humanas básicas como benevolência, atenção e equilíbrio emocional devam estar já totalmente desenvolvidas, sem precisarmos fazer nada?

Então o ponto não é necessariamente sobre disseminar a meditação em si, mas fazer as pessoas compreenderem que o que quer que façam na vida, elas vão se beneficiar imensamente se desenvolverem até a maturidade suas qualidades humanas mais construtivas e valiosas.

junte-seEntão, quando o número de pessoas que cultivaram essas habilidades altruístas e cooperativas chegar a um ponto crítico, haverá um ponto de virada na cultura dominante. A interação entre mudanças individuais e a mudança da sociedade está no coração da evolução da cultura.

Como devemos falar com pessoas bondosas mas que se sentem desconfortáveis com meditação ou outras práticas espirituais?

Não é preciso usar palavras como “meditação” ou “espiritualidade”, que podem incomodar diversas pessoas que se beneficiariam com uma outra abordagem. É mais preciso e adequado falar de treinamento da mente e cultivo de qualidades humanas básicas. Isso pode ser feito com a ajuda de um caminho espiritual, mas também pode ser feito de modo secular. Quem seria contra aumentar nossa compaixão e atenção plena que se importa com o outro?

Você parece sempre feliz, de bom humor e pronto para desfrutar de uma gargalhada. Qual é o segredo?

Nenhum segredo. É muito simples: altruísmo e compaixão. Ainda tenho um longo caminho para trazer essas qualidades para um nível perfeito, mas eu sinceramente tento ser uma pessoa melhor dia após dia, ano após ano. Isso me dá alegria e um sentimento de satisfação. Meu slogan poderia ser: “Transforme a si mesmo para transformar o mundo, ou para melhor servir aos outros”.

Publicado originalmente em: How Altruism Can Save the Planet. Imagem no topo: Matthieu Ricard.