O texto abaixo é um trecho do capítulo sobre meditação do livro "Beyond Religion" ("Além da religião", 2011), em que o Dalai Lama descreve como meditar, de modo independente de qualquer tradição espiritual.
Formas de cultivo mental
Todas as principais tradições de fé enfatizam a importância de desenvolvermos nossa vida interior, e muitas das técnicas encontradas em minha própria tradição existem de alguma outra forma nas outras tradições. Em particular, há muitas similaridades entre as diversas práticas de treinamento da mente usadas em diferentes tradições contemplativas indianas. Mas há muito em comum com outras tradições espirituais também. Recentemente, por exemplo, assisti a uma palestra bastante agradável e informativa sobre prece contemplativa, realizada por um monge cristão da ordem carmelita, que apontou algumas semelhanças surpreendentes entre as técnicas cristã e budista.
Entretanto, mesmo com todas as ligações da meditação (ou cultivo mental) com a religião, não há nenhum motivo pelo qual ela não possa ser feita em um contexto completamente secular [independente de crenças]. Apesar de tudo, a disciplina mental em si não exige nenhum compromisso de fé. Ela só requer um reconhecimento de que desenvolver uma mente mais calma e clara é um esforço que vale a pena, e uma compreensão de que fazer isso irá beneficiar tanto a própria pessoa quanto os outros.
No que se refere à minha própria prática diária — com a exceção de certos exercícios especificamente religiosos e devocionais — pratico dois tipos de cultivo mental: meditação discursiva (ou analítica) e meditação de absorção. A primeira é um tipo de processo analítico através do qual o meditador se envolve em uma série de reflexões, enquanto a segunda envolve se concentrar em um objetivo ou objeto específico, posicionando a mente nisso — como se repousássemos profundamente em um tipo de completude. Acredito que combinar as duas técnicas é o mais benéfico.
Uma maneira útil de compreender as diferentes formas de cultivo ou familiarização mental é encarar cada prática na perspectiva de seu objetivo. Há, por exemplo, a prática de usar algo como um objeto: por exemplo, considerar a igualdade de todos os seres como o objeto de contemplação profunda. Depois, há a meditação do cultivo de qualidades mentais positivas. Nela, qualidades como compaixão e gentileza amorosa não são exatamente o objeto da prática, mas sim, a pessoa busca cultivar essas qualidades dentro de seu coração. A primeira dessas duas abordagens se refere ao desenvolvimento de estados mentais mais ligados ao pensamento, como por exemplo, compreensão. Já a segunda desenvolve mais estados mentais ligados à afeição, como compaixão. Podemos nos referir a esses dois processos como “educar a mente” e “educar o coração”.
Como vivemos em uma época em que muito pode ser feito apenas apertando um botão, alguns de nós podem esperar também ver mudanças imediatas na área do cultivo mental. Podemos supor que a transformação interna é simplesmente uma questão de obtermos a fórmula correta ou recitar o mantra certo. Isso é um erro. O cultivo mental exige tempo e esforço, envolvendo trabalho duro e dedicação prolongada.
Procrastinação
Para iniciantes, o primeiro requisito para o cultivo ou familiarização mental é um compromisso sério de praticar. Sem tal compromisso, é improvável que alguém chegue a apenas separar um tempo para começar. Às vezes, conto uma história sobre o problema da procrastinação.
Havia uma vez um lama que, para encorajar seus alunos a estudar, prometeu que iria levá-los para um piquenique um dia. Esse incentivo teve o efeito esperado, e os jovens monges ansiosamente se aplicaram nos estudos. No entanto, o prometido piquenique não acontecia. Após algum tempo, o estudante mais jovem, não querendo abrir mão da possibilidade de um dia de folga, relembrou o professor sobre sua promessa.
O lama respondeu que estava muito ocupado, então isso teria que esperar. Um longo tempo se passou, e o verão deu lugar ao inverno. De novo, o estudante lembrou o lama: “Quando iremos fazer nosso piquenique?”. “Agora não, estou realmente bastante ocupado”.
Um dia o lama notou uma comoção entre os estudantes. “O que está acontecendo?”, perguntou. Um cadáver estava sendo levado para fora do monastério. “Bem”, respondeu o estudante mais jovem, “aquele pobre homem ali está saindo para um piquenique!”.
O ponto dessa história é que, a menos que separemos tempo e um comprometimento adequado para as coisas que dizemos a nós e aos outros que faremos, sempre teremos outras obrigações e preocupações mais urgentes — enquanto a morte pode interferir a qualquer momento.
Planejar nossa prática
De início, devo adverti-los: como o meditador iniciante irá rapidamente descobrir, a mente é como um cavalo selvagem: leva um longo tempo — e o cavalo precisa se acostumar com o treinador — antes de ele se acalmar e seguir ordens.
De modo similar, apenas com gentil persistência sobre um longo período, os benefícios reais da meditação se tornam aparentes. Claro que podemos separar apenas alguns dias para experimentar um curto programa de treinamento mental, mas é incorreto julgar os resultados antes de realmente termos dado uma chance a esse treino. Pode levar meses, até anos, para compreendermos todos os benefícios.
Horário
Em relação às coisas específicas da prática, o início da manhã em geral é a melhor hora do dia. A mente está em seu estado mais fresco e claro. Entretanto, é importante lembrar que para praticar bem de manhã cedo, é preciso uma boa noite de sono. No meu caso, posso dizer que estou entre os mais afortunados no que se refere ao sono. Apesar de acordar todo dia às 3h30 AM, em média procuro garantir oito ou nove horas de sono adequado.
Para muitas pessoas, isso pode ser difícil de arranjar. Se, por exemplo, houver crianças pequenas na casa, pode não ser possível meditar nas primeiras horas da manhã. Se este for o caso, provavelmente será melhor encontrar outra hora para praticar — preferivelmente, após um cochilo curto ou quando as crianças estiverem fora de casa. Também devo adverti-los de que a mente terá uma tendência ao torpor se você tiver comido muito. Idealmente, você não deve comer muito de noite, se espera praticar bem na manhã seguinte.
Quanto tempo
Em relação à quantidade de tempo que você deve separar para a prática, no início, mesmo dez ou quinze minutos por sessão já é bastante adequado. Na verdade, é muito melhor ter ambições modestas do que embarcar em um programa não sustentável, que mais provavelmente vai te fazer desistir em vez de consolidar um hábito.
Também é útil praticar por alguns minutos várias vezes pelo dia, além da sessão principal. Do mesmo modo que mantemos uma fogueira acesa colocando mais madeira de tempos em tempos, podemos manter a continuidade da meditação, complementando-a aqui e ali para que aquilo que já conseguimos não evapore completamente até a próxima sessão formal.
Local
Em relação a onde praticar, é dito nos manuais clássicos que barulho é como um espinho na mente. Para a maioria das pessoas, portanto, é bastante útil encontrar algum lugar para sentar onde não seremos incomodados por ruídos. Obviamente, também, é uma boa ideia desligar o celular antes de começar. Mas nada disso significa que a meditação não possa ser praticada mais ou menos em qualquer lugar, ou a qualquer hora do dia. Estou falando apenas sobre o modo ideal. Pessoalmente, considero bastante útil meditar enquanto viajo.
Postura
Em relação à postura física apropriada à meditação, qualquer posição confortável funciona, embora se você estiver confortável demais, há o perigo de deslizarmos em direção ao sono. Isso dito, pode ser útil adotar o que geralmente se chama de posição de lótus, em que você cruza as pernas e cada pé descansa sobre a coxa oposta. Uma vantagem dessa posição é que, além de manter-nos aquecidos, a coluna permanece ereta. No início, pode ser desconfortável, então não há problema em simplesmente sentar com as pernas cruzadas parte do tempo, ou usar uma cadeira, se isso também for difícil. De modo similar, para aqueles que — devido à sua tradição religiosa — preferem meditar ajoelhados, isso também serve. Você deve escolher qualquer posição que cause menos distração.
Se escolher a posição de lótus, você pode repousar as mãos em uma posição relaxada, com as costas da mão direita repousando sobre a palma da esquerda. Deixe os cotovelos à vontade, separados um pouco do corpo para que haja um intervalo para o ar passar. Frequentemente, pode ser útil sentar-se sobre uma almofada ligeiramente elevada na parte de trás. Isso ajuda a endireitar a espinha dorsal, que idealmente deve ficar reta como uma flecha, apenas com o pescoço ligeiramente curvado para frente. Manter a ponta da língua tocando a céu da boca ajuda a evitar a sede que pode surgir com certos exercícios de respiração. Os lábios e dentes podem ser deixados como de costume.
Em relação aos olhos, você pode descobrir por si mesmo o que funciona melhor. Alguns acham mais efetivo meditar com os olhos abertos. Para outros, isso distrai demais. Para a maioria, olhos semi-cerrados é o melhor, mas alguns preferem fechar os olhos totalmente.
Relaxar e repousar a mente
Assim que estiver relaxado, a primeira coisa a fazer é respirar fundo algumas vezes. Então, voltando a respirar novamente, tente focar em sua respiração, notando o ar entrando e saindo das narinas. O que você está tentando alcançar é uma mente em um estado neutro, nem positiva nem negativa.
Alternativamente, você pode inspirar e expirar enquanto conta silenciosamente de 1 a 5 (ou 7), e então repita o processo algumas vezes. A vantagem de fazer essa contagem silenciosa é que, ao dar à mente uma tarefa, a chance de ser carregado por outros pensamentos diminui. Em qualquer caso, gastar alguns minutos apenas observando sua respiração em geral é uma boa maneira de chegar a um estado mental mais calmo.
Podemos comparar esse processo de assentar a mente ao tingimento de um tecido. Um pedaço branco de tecido pode ser facilmente tingido de uma outra cor, mas é difícil tingir algo já colorido — a não ser para a cor preta. Do mesmo modo, quando mente está agitada, é difícil chegar a um resultado positivo.
Às vezes você terá dificuldade só para se concentrar, porque sua mente está nas mãos de alguma emoção forte, como a raiva. Em tais ocasiões, pode ser útil repetir quietamente algumas palavras várias vezes. Por exemplo, algo como “eu abro mão de minhas emoções aflitivas” ou, para quem acredita em alguma religião, um curta prece devocional ou mantra repetidos algumas vezes pode relaxar a aflição da emoção. Se essa técnica não funcionar, então talvez você precise se levantar e sair para uma curta caminhada antes de tentar de novo.
Pode haver ocasiões, especialmente no começo, em que pensamentos negativos continuam retornando após pouco tempo. Nesses casos, toda a sessão pode acabar tomada por exercícios para acalmar ou aquietar a mente. Tudo bem: isso ainda é treinamento mental. Ao ganhar alguma experiência sobre como a mente funciona e descobrir quais técnicas funcionam melhor para você, gradualmente você irá se familiarizar com um estado mental mais neutro. Só isso já é um bom progresso.
Quando conseguir estabelecer um estado mais assentado, talvez após alguns minutos, você pode realmente começar o trabalho do cultivo mental.
Nos estágios iniciais do treinamento, é melhor praticar diversos exercícios diferentes em sucessão. No início, você pode achar impossível manter a mente focada por mais de alguns minutos — talvez até mesmo somente alguns segundos — antes que a distração se instale. Isso é bem normal. Assim que perceber que se distraiu, apenas volte gentilmente ao que estava fazendo antes da distração surgir. Não deve haver nenhuma raiva ou auto-condenação quando isso acontecer, apenas um calmo reconhecimento do que a mente está fazendo e um calmo redirecionamento da atenção. O importante é não se sentir desencorajado.
Refletir sobre os benefícios do treinamento mental
Um exercício bastante útil no começo de uma sessão é considerar os benefícios da prática. Um benefício imediato é que a prática traz um breve alívio em relação à preocupação, antecipação e fantasias — frequentemente, obsessivas — com que nossas mentes habitualmente se ocupam. Isso em si é um grande benefício.
Outro benefício para refletir é que a prática é um caminho garantido para uma sabedoria superior, mesmo se esse caminho for longo, com muitos obstáculos a serem superados.
Também é bom investir algum tempo refletindo sobre o que pode acontecer se negligenciarmos a prática. Há o perigo que terminemos como o monge da história do piquenique: carregado para fora como um cadáver, antes de sequer conhecermos os benefícios desse esforço. Alguém que nunca se engaja nesse tipo de trabalho tem muito pouca chance de lidar de modo efetivo com os pensamentos e emoções destrutivas que, quando nos dominam, destroem qualquer esperança de paz de espírito.
Tendo considerado profundamente essas duas possibilidades opostas, e as vantagens de uma em relação à outra, então alternamos entre elas. Ao fazer isso, devemos perceber que os benefícios superam de longe quaisquer argumentos em prol de não praticar. Então, descansamos a mente nessa conclusão por um curto período, antes de passarmos para o próximo estágio da sessão.
Algumas práticas formais
Atenção focada
Uma prática de meditação mais formal é o cultivo da atenção sustentada por concentração unidirecional. Aqui, você escolhe um objeto como o foco de sua atenção. Pode ser uma flor, uma pintura, ou simplesmente uma lâmpada fraca; ou, para um praticante religioso, um objeto sagrado como um crucifixo ou uma imagem do Buda.
Embora, ao começar, seja útil ter o objeto na sua frente como um apoio, de modo último o objeto físico não é o foco da atenção. Em vez disso, uma vez que tenha escolhido seu objeto, tente cultivar uma imagem mental dele, e quando estiver bem familiarizado com ela, fixe sua atenção nessa visualização mental. Essa imagem mental do objeto é o que serve de âncora para sua meditação.
Tendo relaxado e assentado a mente, tente manter o foco no objeto. Visualize-o a cerca de um metro e meio de você na altura das sobrancelhas. Imagine que o objeto tenha cinco centímetros de altura e que irradie luz, tornando a imagem clara e brilhante. Também tente concebê-la como algo pesado. Esse peso tem o efeito de evitar a excitação, enquanto que o brilho do objeto evita o surgimento do torpor.
É melhor, ao fazer esse tipo de meditação, não fechar os olhos completamente, mantendo-os levemente abertos, para baixo. Às vezes, eles podem fechar por si mesmos — e tudo bem. O importante é que não devem nem estar totalmente fechados nem arregalados.
Também devo mencionar que para pessoas como eu, que usam óculos, tirá-los para meditar nem sempre é uma boa ideia. Embora sem óculos haja menos perigo de distrações visuais, podemos — devido à perda de clareza visual — mais facilmente cair no torpor. Isso pode fazer nossa prática se transformar num tipo de devaneio sem direção. Se isso acontecer, uma contramedida útil é pensar em algo agradável, algo que te traga alegria. Outra é pensar em algo que traga sobriedade, até mesmo algo que cause um pouco de tristeza. Ou você pode imaginar estar olhando para baixo a partir do topo de uma montanha, com visão desimpedida para qualquer direção.
Se começar a sofrer com o problema oposto — ficar distraído por algo que estiver vendo — é preciso remover a mente dos olhos. Sentar-se de frente para uma parede nua pode ser útil em tais casos.
Vigilância
Quando o objeto que estiver visualizando estiver estável em seu olho mental — talvez após muitas semanas ou meses de prática persistente — agora tente examinar a própria mente que mantém a visualização do objeto. Aqui você está tentando focar a mente ao mesmo tempo em que a examina, como se vigiasse de canto, para garantir que não está inconscientemente permitindo que ela relaxe demais. Quando a mente relaxa muito, o sono se aproxima! Mas quando conseguir gerar uma imagem mental forte e clara, você pode começar a se familiarizar com o tipo de foco que no dia-a-dia só experimenta ao tentar resolver um problema mental particularmente desafiador.
A ideia aqui é que quando você aprender a realmente focar a mente, então — do mesmo modo que a água é direcionada em uma hidrelétrica para reunir a grande força necessária para girar as turbinas — você pode usar toda a força de sua mente para se focar em qualidades como compaixão, paciência, tolerância e perdão.
Mesmo após chegar a certa habilidade de manter o foco, inevitavelmente você vai se descobrir perdendo a atenção aqui e ali quando sua mente se desvia do objeto, devido a eventos externos ou processos interiores de pensamento. Ao notar que sua mente se distraiu, conscientemente reconheça isso e gentilmente traga-a de volta ao objeto. Se necessário, frequentemente refresque a visualização do objeto para que a clareza da imagem retorne.
Duas qualidades são essenciais nesse tipo de meditação: clareza mental e estabilidade. A clareza mental ajuda a manter o foco. A estabilidade ajuda a garantir clareza, ao monitorar se a atenção continua brilhante. Para ajudar a garantir a presença contínua dessas duas qualidades, você precisa desenvolver e, então, aplicar duas faculdades importantes: atenção plena e vigilância. É através da aplicação constante dessas duas faculdades que você gradualmente aprende a treinar seu foco, tornando-se capaz de sustentar a atenção por um período prolongado.
Então, resumindo: em uma sessão formal típica, começamos assentando a mente através da respiração. Então escolhemos o objeto da meditação e focamos a atenção nele, o tempo todo monitorando se nossa atenção está se desviando. Ao notar a distração, gentilmente trazemos a atenção de volta ao objeto e continuamos. No final, quando quisermos encerrar a sessão, podemos fazer de novo algumas respirações profundas novamente para terminar em um estado mental de relaxamento.
Atenção no momento presente
Com a mente já relaxada por algum tipo de exercício de respiração, uma outra prática útil é tentar repousar sua mente, do jeito que ela é, no estado natural básico de consciência, ou aquilo que chamamos de “consciência do momento presente”.
Quando começar, é importante definir uma intenção enérgica de não permitir que sua mente seja levada por pensamentos sobre o que pode acontecer no futuro ou por lembranças de coisas do passado. Em vez disso, estabeleça a intenção de posicionar sua mente simplesmente no momento presente e de deixá-la ali o maior tempo possível.
Ao fazer essa prática, é uma boa ideia sentar, se possível, de frente para uma parede sem nenhuma cor ou padrão chamativos. Então, após algumas respirações profundas, simplesmente descanse a mente e comece a observá-la.
Isso de fato é algo bastante difícil de fazer no começo. Em nosso dia-a-dia, nosso mundo mental é dominado por estados definidos por objetos, tanto na forma de experiências sensoriais quanto de pensamentos, memórias e ideias. Muito raramente vivenciamos um estado que não esteja amarrado a um conteúdo específico, simplesmente descansando no estado natural de consciência da mente.
Então, quando você começa essa meditação, inevitavelmente você vai notar que sua mente começa a vagar, pensamentos e imagens passam por sua atenção consciente, ou uma memória surge sem nenhum motivo aparente. Quando isso acontecer, não seja capturado pela energia desses pensamentos e imagens, tentando suprimir ou reforçá-los. Simplesmente note e solte, como se fossem nuvens aparecendo no céu e desaparecendo de vista, ou bolhas surgindo e se dissolvendo de volta na água.
Com o tempo, você vai começar a ter lampejos do estado básico de atenção plena de sua mente, ou o que pode ser chamado de “luminosidade básica”. Ao continuar praticando assim, aqui e ali você irá começar a vivenciar curtos intervalos de algo que parece uma ausência ou vácuo, quando sua mente não tem nenhum conteúdo em particular. Seus primeiros êxitos sobre isso serão bem transitórios. Mas com persistência por um longo período, o que começa como um lampejo pode ser gradualmente estendido, e você pode começar a compreender que a mente é como um espelho, ou água límpida, em que imagens aparecem e desaparecem sem afetar o meio no qual elas surgem.
Um importante benefício dessa prática é a habilidade que você ganha de ser capaz de observar os pensamentos sem ser atraído por eles. Como um observador desapegado assistindo um espetáculo, você aprenderá como ver seus pensamentos pelo que eles são: construções de sua mente. Muitos de nossos problemas surgem porque, em nosso estado ingênuo destreinado, confundimos nossos pensamentos com a realidade de fato. Pegamos o conteúdo de nossos pensamentos como se fosse algo real e, baseados nisso, construímos toda nossa percepção e reações em relação à realidade. Ao fazer isso, nos amarramos ainda mais em um mundo que, essencialmente, é nossa criação; e ficamos presos nele, como um pedaço de corda embaraçado em seus próprios nós.
Treinamento em compaixão e gentileza amorosa
Outro tipo de prática bastante benéfica envolve o cultivo de qualidades mentais positivas, como compaixão e gentileza amorosa. Esse tipo de exercício faz uso de processos deliberados de pensamento. De novo, começamos com um exercício preliminar de respiração para relaxar a assentar a mente. Só depois dessa preparação começamos a prática de fato.
Esse treino é particularmente útil para ocasiões em que estiver lutando com sua atitude ou sentimentos em relação a uma pessoa com quem tenha dificuldades. Primeiro, traga essa pessoa à mente, criando uma imagem tão vívida que você quase sente a presença dela. Depois, comece a contemplar o fato de que ela também tem esperanças e sonhos, sente alegria quando as coisas vão bem e tristeza quando não vão. Em relação a isso, não há a menor diferença entre a outra pessoa e você. Exatamente como você, essa pessoa deseja felicidade e não quer sofrimento.
Ao reconhecer essa mesma aspiração fundamental em comum, tente se sentir conectado à pessoa e cultive o desejo de que ele ou ela tenha felicidade. Pode ajudar se você, em voz baixa, repetir o desejo, dizendo algo como: “Que você esteja livre do sofrimento e suas causas. Que você tenha felicidade e paz”. Então descanse a mente nesse estado de compaixão.
Em relação aos dois tipos de treino mental mencionados antes — discursivo e de absorção — este modo de cultivar a compaixão fundamentalmente envolve um processo discursivo, mas aqui e ali também é bom repousar a mente em um estado de absorção, de modo parecido com a chegada a uma conclusão em comum em uma discussão.
… essa combinação de métodos — treinamento mental discursivo com absorção — é igualmente útil para o cultivo de outras qualidades internas, como paciência e resistência.