Como cultivar auto-compaixão

Dalai Lama, com o pesquisador e autor Thubten Jinpa
Dalai Lama, com o pesquisador e autor Thubten Jinpa

O texto a seguir é um trecho do livro “Fearless Heart”, em que Thubten Jinpa apresenta o programa “Treinamento para o cultivo da compaixão” (TCC), que foi desenvolvido na Universidade de Stanford, nos EUA, como uma forma de trazer as meditações de compaixão do budismo tibetano para um público maior, de modo independente do budismo ou de uma tradição espiritual, aliadas à ciência.

Essa iniciativa vem de um pedido do Dalai Lama, durante discussões do Mind & Life Institute, que promove o intercâmbio entre meditadores e cientistas.

Abaixo, seguem trechos do capítulo sobre auto-compaixão:

O que não é auto-compaixão

… É verdade que somos mais felizes quando estamos menos focados em nosso ego e mais voltados para o mundo, mas a auto-compaixão é totalmente diferente de uma absorção narcisista no próprio ego. Pessoas verdadeiramente auto-compassivas tomam conta de si mesmas enquanto permanecem atentas aos sentimentos e necessidades daqueles ao redor. Na verdade, a saúde mental e física, que vem de sermos mais gentis conosco, nos permite cuidar melhor das outras pessoas. Quando nos fixamos em nosso ego, por outro lado, ficamos tão presos em nosso próprio mundo que não temos espaço para ninguém mais.

fb-page3Auto-compaixão também não deve ser confundida com auto-piedade. Na auto-piedade, somos capturados por nossos problemas e, ao ter pena de nós mesmos, ficamos indiferentes ao mundo ao redor. Auto-piedade é uma forma de fixação no ego, enquanto auto-compaixão nos permite ver nossas dificuldades no contexto maior da experiência humana compartilhada. Por causa de sua visão mais curta, afunilada, a auto-piedade tende a criar uma explosão com nossa situação de modo que mesmo um problema minúsculo fica parecendo esmagador e insuportável. Em contraste, a auto-compaixão permite uma atenção às proporções, que nos ajuda a lidar com obstáculos e sofrimentos de modo mais construtivo.

Auto-compaixão não é auto-gratificação. A coisa mais compassiva a fazer por nós mesmos pode não ser comer todo o pacote de salgadinhos, ou não confundir desejo com necessidade — não comprando o que não precisamos. A auto-compaixão não é um impulso para presentearmos a nós mesmo, embora às vezes, após reflexão cuidadosa, possamos decidir fazer isso. Igualmente importante: auto-compaixão não é sermos agressivos conosco por comer os salgadinhos, comprar o supérfluo ou nos dar o presente.

Finalmente, auto-compaixão não é o mesmo que auto-estima. Com auto-compaixão, nos conectamos a nós mesmos, especialmente nossas lutas e falhas, com compreensão, gentileza e aceitação. Auto-compaixão é uma orientação gentil, cuidadosa, de visão clara porém sem julgamentos, de nosso coração e mente em relação ao nosso sofrimento e necessidades. A auto-estima, por outro lado, é uma visão de si baseada em auto-avaliação. Enquanto a auto-compaixão pode contribuir para uma melhor auto-estima, ela não depende disso. …

Certamente, não há nada errado com a auto-estima em si. Mas ela frequentemente é relacionada com quantas realizações obtemos, o que leva as pessoas, incluindo crianças, a acreditarem que só serão estimadas (por elas mesmas e pelos outros) se tiverem “sucesso”. E a auto-estima é distorcida pela nossa cultura de competição, de modo que muitas pessoas entendem seu próprio valor somente em comparação com outras pessoas. …

Alguns cientistas também levantam preocupações similares. Pesquisadores descobriram que a auto-estima que depende de realizações nos deixa mais vulneráveis a sentimentos de inadequação e fracasso, quando as coisas dão errado. Alguns estudiosos mostram evidências de que a busca pela auto-estima pode prejudicar o aprendizado, especialmente o aprendizado com os próprios erros. …

junte-seAo cultivar auto-compaixão, não nos avaliamos com base em nossos sucessos mundanos, e não nos comparamos com os outros. … Então, a auto-compaixão, diferentemente da auto-estima, permite nos conectarmos melhor com os outros e ter uma disposição mais positiva com eles. …

Auto-compaixão e tipos de ligação

Todos temos a capacidade para auto-compaixão, mas não lidamos com isso da mesma maneira. Segundo pesquisadores da área, nossas diferenças vêm dos mecanismos de auto-proteção que adquirimos ao lidar com os desafios e desapontamentos na vida. Estudos sobre o desenvolvimento e personalidade de crianças dizem que a ativação e o desenvolvimento do que os cientistas chamam de sistema de afiliação nos primeiros anos da vida de uma criança são o fator-chave.

O sistema de afiliação, ou sistema de carinho (como às vezes é chamado), se refere a sentimentos de segurança, conexão e contentamento, e está ligado à nossa produção natural de opiáceos e hormônios como a oxitocina (às vezes, chamado de “o hormônio do carinho”). Através do cuidado encorajador da mãe (ou pai), idealmente, um bebê acaba reconhecendo seus pais como fontes de segurança e tranquilização. Com essas experiências iniciais, o bebê forma memórias emocionais de segurança, tranquilização e calma. O bebê se sente seguro e não se esquece disso. Nesse cenário feliz, o bebê é agraciado com o que os psicólogos chamam de “ligação segura”.

Baseados no trabalho de John Bowlby e Mary Ainsworth, estudiosos contemporâneos definem quatro tipos principais de ligação:

  1. ligação segura
  2. ansiosa e preocupada
  3. de recusa e fuga
  4. temerosa e de fuga

Mas os estilos de ligação não são apenas para bebês; esse conceito se aplica aos primeiros anos e como eles afetam nossa personalidade — especificamente, como nos relacionamos com as pessoas a quem estamos ligados por toda a vida.

Ao crescermos, dizem alguns estudiosos, nossa capacidade de nos acalmar se desenvolve a partir dessas experiências iniciais — um processo de recordação emocional, poderíamos dizer. Lá no fundo, se temos um tipo de ligação segura, acreditamos que estamos bem e seguros, ou pelo menos acreditamos nessa possibilidade, porque já vivenciamos isso antes. Idealmente, essas memórias ficam conosco como um cobertor mental de segurança, para momentos de estresse. Então, nosso estilo de ligação afeta nossos hábitos de regulação emocional, que afetam a base de nossa auto-compaixão na vida adulta.

Se nossas experiências iniciais forem menos que ideais, como adultos temos que criar aquele conforto e segurança do zero. Não é fácil, mas é bem possível, porque já temos a matéria prima: nossa experiência de sofrimento e nossa capacidade humana natural para a compaixão. Não podemos mudar nossos pais ou nossas experiências, como bebês criados em determinada cultura; mas como adultos podemos aprender maneiras diferentes de regular nossas emoções, assim como práticas para desenvolver auto-compaixão.

Se não estivermos entre os sortudos com ligação segura, podemos aprender a ter compaixão por nós mesmos exatamente por esse fato! Além disso, nossa personalidade pode ser mais flexível e receptiva a mudanças do que imaginamos.

Aprender a permanecer com nosso sofrimento

No “Treinamento para o cultivo da compaixão” (TCC), dividimos a prática de auto-compaixão em duas partes. Na primeira, cultivar compaixão por nós mesmos, aprendemos como lidar de modo compassivo com nosso próprio sofrimento e necessidades. A segunda, cultivar gentileza amorosa por nós mesmos, trata de como nos relacionamos com nossa felicidade e aspirações. Os objetivos são cultivar, respectivamente, nossa capacidade de genuinamente aceitar e cuidar de nós mesmos, e uma profunda apreciação de nossa aspiração natural e legítima à felicidade.

Em nossas aulas sobre auto-compaixão, perguntamos questões como: “Como nos sentiríamos se lidássemos com nosso sofrimento com mais abertura e aceitação, em vez de negação e auto-piedade?”. “Como nos sentiríamos se fôssemos mais gentis e cuidadosos conosco em vez de nos julgarmos e recriminarmos?”

Os participantes discutem como eles poderiam remodelar suas reações à dificuldade e sofrimento em suas vidas de maneiras mais compassivas. As respostas específicas não importam tanto quanto a consciência que eles desenvolvem no processo de responder — consciência sobre sua habitual agressividade e reações de julgamento; perceber que pode haver maneiras mais compassivas de lidarem com sua experiência; e, no ambiente seguro da aula, testarem como se sentem fazendo isso.

Geralmente, quando passamos por um tempo difícil, tentamos ignorar os sentimentos que aparecem. Isso é perfeitamente normal e compreensível. Queremos evitar a dor. Temos medo de rachar em pedaços se não nos mantermos inteiros — ou seja, suprimir nossos sentimentos a todo custo. Essa abordagem, no entanto, não é nem saudável nem sustentável a longo prazo. Sai muito cara. De muitos modos, nossas feridas emocionais são como feridas físicas. Se suprimirmos nossa dor emocional, ela vai infeccionar como uma ferida não tratada, criando algo pior que o machucado inicial — por exemplo, amargura, ou irritação e desconexão com os outros, incluindo aqueles com quem mais nos importamos.

Um participante colocou da seguinte maneira:

“Tenho tido algumas lutas silenciosas com meus sentimentos recentemente. Sentimentos de raiva, frustração, desgosto, indignação, irritação — todos ligados ao trabalho. Esses sentimentos não iam embora, ou talvez eu não quisesse que fossem. Meu ego se machucou. Estava pronto para explodir ou implodir, incerto sobre qual dos dois traria alívio. Estava envergonhado e raivoso comigo mesmo por ter tão pouco controle sobre meus sentimentos e pelos pensamentos que tive. Rejeitei a compaixão. Cansei de ser gentil com as pessoas (isso veio com a raiva). Sentia-me fora de harmonia com o Universo. Estava tão louco que, nem é preciso dizer que, não conseguia meditar. Então decidi frequentar essas aulas para ver se a tempestade em mim poderia acalmar. Não começou bem. Eu não queria visitar lugares tristes.”

Quem entre nós não consegue se identificar com essas palavras? Há um única coisa no trabalho que poderia ser tão ruim a ponto de nos torturamos sobre isso por dias, semanas ou até anos? O participante continuou descrevendo como seu coração se abriu durante uma meditação na aula, e a raiva “se derreteu”. Pensando sobre isso, ele disse:

“A melhor parte é que ainda tenho os mesmos problemas no trabalho, a mesma situação desconfortável, e o mesmo colega de trabalho irritante, mas agora não há sentimentos anexados. Tenho pensado sobre as mesmas coisas que disparavam minha raiva e frustração e… Não consigo sentir raiva.”

Como criaturas sencientes, o sofrimento é uma parte inescapável de nossa realidade, e quanto mais cedo pudermos desenvolver uma relação saudável com ele, melhor estaremos. O primeiro passo é aprender como estar com nossa dor e sofrimento, sem resistência e sem ceder ao impulso de buscar alívio imediato. Para desfazer nossos velhos hábitos emocionais, precisamos fazer muitas coisas: uma é aprender a habilidade de simplesmente observar nossas experiências e estar com elas assim que se surgem — precisamos de auto-consciência em relação ao nosso sofrimento.

Outra técnica, especialmente para aqueles que se sentem menos inclinados a sentar-se silenciosamente em meditação, é aprender a distinguir entre a linguagem da “observação” e a do “julgamento”, em nossos pensamentos. Afirmações de observação se referem a fatos, enquanto afirmações de julgamento se referem às nossas interpretações desses fatos.

Pegue o exemplo de passar por uma revista de segurança no aeroporto. A fila que você escolheu de repente fica mais devagar, e você começa a ficar impaciente. Por causa disso, pode começar a pensar: “Sempre escolho a fila errada!”, “por que os agentes de repente ficaram tão lentos depois que entrei na fila?”, “esses agentes não dão a mínima se as pessoas perdem o vôo”, “nada nunda dá certo para mim.”

Se examiná-las cuidadosamente, nenhuma dessas frases se refere a fatos. São preconceitos, suposições e generalizações cheias de emoção — nossa reação ao que está acontecendo, que simplesmente é: houve uma redução de velocidade no processo de revista. Isso é tudo.

Precisamos desafiar nosso pensamento julgador e outros padrões habituais mentais, especialmente o conceito sobre nós mesmos (“nada nunca dá certo para mim”). Apesar de todas as evidências contrárias da psicologia, neurociência e de nossa experiência pessoal, a maioria de nós continua segurando com força uma representação estática de si mesmo. Cada um de nós internalizou — a partir de nossa experiência cultural, social e de infância — uma representação particular de nós mesmo, um conceito de si que exerce uma influência poderosa em nosso dia-a-dia, porque afeta como percebemos e vivenciamos nós mesmo e o mundo ao redor.

Não há nada de errado em ter um conceito de si; o problema é que a maioria de nós falha em apreciá-lo pelo que é: um conceito, uma construção de nossa mente, desenvolvida através de nossa experiência. Acreditamos na história que nós mesmos criamos, e confundimos o conteúdo de nossos pensamentos com a realidade. Quando nos pegarmos permitindo o habitual auto-julgamento negativo — “não sou bom”, “ninguém me ama”, “não mereço ser feliz” … — ali mesmo, precisamos trazer a voz questionadora que diz: “Espere aí! Esses são apenas meus pensamentos, e não eu.”

Em um livro notável, David Kelley, o fundador da IDEO e do Hasso Plattner Institute of Design, da Universidade de Stanford, fala sobre como um rígido conceito sobre si (nesse caso, “não sou criativo”) geralmente é o principal obstáculo impedindo-nos de expressar nossa criatividade natural. David e seu irmão co-autor, Tom Kelley, recontam histórias inspiradoras sobre como as pessoas — ao soltar essa amarra mental fixa — dentro de um ambiente que encoraja a expressão sem medo, vêem seu lado artístico e criativo surgir praticamente sem esforço. Um fator-chave é o que David evocativamente chama de confiança criativa, um conceito sobre si que define a criatividade como uma habilidade humana inata em todos nós.

Sobre a compaixão, também há um tipo de confiança sem medo que podemos usar ao saber que essa capacidade já está em nós. Isso pode ajudar a atravessarmos as dúvidas e medos que geralmente bloqueiam a expressão de nosso lado mais bondoso.

Cultivo do auto-perdão

Para sermos realmente bondosos e compassivos conosco, precisamos examinar o quanto nos aceitamos e perdoamos. Quando temos sentimentos de ressentimento ou inimizade em relação a alguém, não podemos gerar compaixão e preocupação genuínas por essa pessoa. O mesmo vale para nós. E assim como a compreensão faz com que perdoemos os outros, compreender nossos pensamentos e ações no contexto da condição humana também pode levar ao auto-perdão.

Somos apenas humanos. Estamos fazendo o melhor que podemos. Precisamos da auto-compreensão e auto-perdão que fluem a partir daí. Marshall Rosenberg, o fundador da “Comunicação não violenta” (CNV), teve o seguinte insight: “Um importante aspecto da auto-compaixão é ser capaz de, com empatia, abordar as duas partes de nós mesmos: a parte que se arrepende de uma ação passada e o eu que cometeu a ação em primeiro lugar.”

Quando nos julgamos rudemente e nos recusamos a nos perdoar por algo que fizemos, essencialmente estamos atacando a parte de nós que cometeu o ato — é “parte” de nós no sentido de que havia razões para termos feito algo que, de modo consciente ou inconsciente, significava algo para nós. Nossa mente julgadora, que odeia a si mesma, iria condenar os motivos “ruins”, mas na verdade são apenas motivos humanos.

Ou então, nossa estratégia pode ser tentar amputar essa parte de nós, junto com seus motivos, negando que existam (“simplesmente, não vou pensar sobre isso”, ou “não sou o tipo de pessoa que faz essas coisas”). De qualquer modo, estamos em guerra com um parte de nós mesmos, desconectados dela, e não há esperança de compreensão ou reconciliação enquanto a guerra durar. Sem compreender nosso eu (inteiro), não podemos aceitar nosso eu (inteiro), e sem compreender e aceitar, não podemos aprender com nossos erros.

Pode ser útil pensar sobre isso em termos de uma outra pessoa: no meio de uma briga com alguém ou, ao se recusar a aceitar essa pessoa, é seguro dizer que não estamos aprendendo nada com ela. Obviamente, quando não aprendemos com nossos erros, tendemos a repeti-los, e a batalha com nós mesmos continua.

Note que, do mesmo modo quando falamos com outras pessoas, o tom é muito importante quando falamos com nós mesmos. Podemos gritar: “Como você pode fazer isso?!”, que tem a implicação: “seu monstro!”. Ou podemos gentilmente nos perguntar: “Hmmm, vamos ver, como você acabou fazendo isso?”, com a implicação: “que bagunça. Vamos ver como isso aconteceu para que — no futuro, tomara — não aconteça de novo; e vou ajudá-lo a limpar tudo”.

No treinamento do cultivo da compaixão, usamos exercícios específicos focados na auto-aceitação e auto-perdão. Eles nos ajudam a explorar as possíveis necessidades ou motivos subjacentes em algo que fizemos, e a usar essa compreensão para desarmar nossa reação auto-condenatória.

Uma vez que tocamos a necessidade subjacente, podemos ter diversos sentimentos — tristeza, frustração, arrependimento, desapontamento, desesperança etc. Esses sentimentos, que contém inerentemente mais aceitação  (“é triste” e “aconteceu”) ajudam a nos distanciarmos da culpa, auto-recriminação e julgamento negativo, sentimentos que travam a auto-aceitação (“como pude permitir que tal coisa acontecesse?”, “não consigo me tolerar por permitir que isso tenha acontecido” etc).

Através da compreensão e aceitação, geramos empatia por nós mesmos, não apenas pelo erro que cometemos (“OK, eu vejo como pude fazer aquilo”), mas também pela maneira dolorosa que reagimos (um perigo de aprender essas técnicas é que podemos usá-las contra nós mesmos, sendo rudes aos nos julgarmos incompetentes com essas habilidades!). Na linguagem da comunicação não violenta, esse processo de se conectar com as necessidades não satisfeitas é chamada de lamentação (ou luto). Esse luto nos permite se arrepender e isso, diz Rosenberg, “nos ajuda a aprender com o que cometemos, sem acusar ou odiar a nós mesmos”.

Exercício: perdoar a nós mesmos

Em nosso treinamento de compaixão, guiamos os participantes através de uma meditação para ajudar a produzir auto-perdão genuíno:

Para essa meditação guiada, ajuste sua posição ao sentar-se para que se sinta confortável e relaxado. Respire profundamente três ou quatro vezes, trazendo cada uma até o abdômen e, então, gentilmente, soltando. Pause por 20 ou 30 segundos em silêncio.

Agora pense sobre uma ocasião em que você fez alguma coisa que não queria e, como resultado, se condenou por isso. Talvez você tenha gritado com alguém que ama e depois se sentiu mal por isso. Ou pode ser algo que afetou apenas você, por exemplo gastar muito em algum produto e, depois, se sentir culpado e envergonhado. Lembrar os detalhes do incidente não é importante, a menos que ajudem a evocar a reação emocional que sentiu. O que é importante é a recordação de como você se engajou em auto-julgamento negativo. Silenciosamente permaneça com essa reflexão.

Então, pergunte-se: "Por que reagi de modo tão agressivo?", "qual era a necessidade frustrada que eu estava tentando compensar quando fiz isso?". Quando você explodiu, podia ser que precisava de respeito e se sentiu desrespeitado pela outra pessoa. Talvez você precisasse ser ouvido e sentiu que isso não estava acontecendo. Permaneça com essas reflexões por um tempo.

Agora reconheça que, embora o que você tenha cometido (por exemplo, usar linguagem abusiva) não tenha sido hábil, a necessidade subjacente que motivou sua ação era legítima. No caso de gastar demais e se sentir envergonhado, embora o que tenha feito seja inábil, aqui também havia uma necessidade subjacente -- talvez você estivesse se sentindo impotente e para baixo, e precisasse de um estímulo. Com auto-consciência, permita-se vivenciar sentimentos como tristeza, desapontamento e remorso, em vez de culpa ou vergonha. Pause aqui junto a esses sentimentos.

Ao tocar a necessidade subjacente que provocou a ação que trouxe o auto-julgamento negativo, permaneça com ela um tempo.

Agora, expirando devagar e completamente, solte qualquer tensão no corpo, solte qualquer aperto na mente e, refletindo sobre seus pensamentos auto-condenatórios prévios, silenciosamente diga a si mesmo: "Eu posso soltar isso. Vou soltar isso."

Finalmente, imagine que você se sente livre e expansivo no peito e, então, expire completamente algumas vezes mais.

Auto-aceitação

Infelizmente, para a maioria das pessoas em nossa cultura moderna, o sentimento de ser totalmente aceito como somos, “com verrugas e tudo mais”, é raro, se não for completamente ilusório. Se tivermos sorte, podemos ter alguém em nossa vida com quem nos sentimos, agora ou no passado, totalmente à vontade. Pode ser uma avó, um professor predileto na escola, um mentor espiritual, algum de nossos pais ou ambos (se realmente tivermos sorte), alguém que nos aceite incondicionalmente. Tal pessoa nos faz sentir que sua consideração e afeição por nós não depende daquilo que alcançamos na vida ou algo que fizemos por ela; em vez disso, sentimos que ela atinge diretamente nosso próprio ser.

Uma tradição espiritual também pode fornecer um sentimento de aceitação incondicional. Para mim, a visualização do Buda da compaixão, com seus mil braços e mil olhos cuidando de incontáveis seres, é uma poderosa fonte de conforto. O único requisito que preciso satisfazer para merecer seu cuidado, preocupação e compaixão é ser uma criatura senciente, nada mais. De fato, no budismo, um dos nomes de Buda significa “um amigo amável até com um estranho”, porque sua compaixão não depende de nenhum histórico de relacionamento pessoal. O simples fato de ser já basta.

Reconhecendo o poder dessa atitude, o psiquiatra britânico Paul Gilbert, desenvolveu uma prática chamada desenvolvendo uma imagem compassiva, adaptada a partir da meditação tibetana no Buda da compaixão. Gilbert, que trabalha com pessoas que sofrem de vergonha e auto-crítica excessivas, relaciona esses problemas à formação de uma sistema de auto-proteção, para reação a ameaças, que não é construtivo — ou “mal adaptado”, em linguagem científica. Segundo Gilbert, essas pessoas de algum modo adquiriram um tipo de regulação emocional que não utiliza o sistema do cérebro responsável por cuidar com carinho. O objetivo de sua terapia é ensiná-las como ativar esse sistema e direcioná-lo para elas mesmas.

No TCC, também usamos uma prática com uma imagem de compaixão. O coração dessa técnica é cultivarmos uma imagem à qual podemos atribuir qualidades como amor, compaixão, sabedoria, prontidão, que seja confiável etc. Precisa ser uma imagem à qual você sinta uma profunda conexão pessoal. Pode ser a de uma pessoa sábia que você admire e respeite; pode ser até a imagem de um animal de estimação que ama ou amou você incondicionalmente e que, para você, corporifica essas qualidades; pode ser a imagem de uma luz em seu coração, ou a imagem de um oceano azul expansivo e profundo; pode ser uma árvore firmemente enraizada com ampla folhagem; ou se você for uma pessoa religiosa, pode ser um símbolo significativo.

Qualquer que seja a imagem que escolhermos, praticamos evocando-a em uma sessão formal sentados. Quanto mais prontamente formos capazes de evocá-la, mais forte será nosso senso de que ela está ali para nós, não apenas sentados meditando, mas no dia-a-dia.

Exercício: aceitar a nós mesmos

Novamente, respire profundamente de três a cinco vezes, trazendo cada uma até o abdômen e, então, gentilmente soltando. Pause por um tempo, 20 a 30 segundos, em silêncio.

Agora traga à mente uma imagem de compaixão que para você represente amor, cuidado, sabedoria e força. Espere até que esse pensamento de compaixão permeie sua mente. Não é necessária uma imagem foto-realista de alguém, mas sim sentir sua presença.

Agora imagine que na presença dessa imagem você se sente completamente você mesmo: nada mais, nada menos. Não é preciso fingir, não é preciso ser alguém que você não é. Não há julgamento ou crítica; em vez disso, o que você encontra é simplesmente aceitação calorosa e gentil. Permaneça nesse sentimento de receber aceitação incondicional. Como você se sente? Sente uma desaceleração no coração, um alívio da tensão em alguma parte do corpo, um sentimento de soltar?

Mantenha essa imagem de compaixão ao respirar. Então, ao inspirar, visualize raios de luz calorosos surgindo da imagem e tocando todas as partes de seu corpo. Todos esses raios de luz tocam você, imagine que eles trazem alívio, confortam seu sofrimento e trazem força e sabedoria. Permaneça com esse pensamento por um tempo em silêncio.

Repita essa sequência de imaginar raios de luz saindo da imagem e te tocando, inspirando sentimentos de segurança, serenidade e conforto total em você.

Se sentir que essa prática com imagem não é para você, tente um método alternativo que John Makransky, um colega da área de estudos budistas, chama de momentos benfeitores em um programa que ele desenvolveu, chamado de “Treinamento da compaixão inata”. Momentos benfeitores são os instantes de nossa vida em que nos sentimos vistos, escutados e reconhecidos por alguém que nos mostra consideração e afeição genuínas. Pode ser uma expressão de preocupação vinda de alguém em um momento difícil de nossas vidas, um sentimento de “está tudo bem com o mundo” que sentimentos na presença de um velho amigo, ou simplesmente um abraço caloroso. Pode ser um tempo que passamos com alguém que adorávamos quando criança.

O que define esses momentos é que eles nos fazem sentir que importamos; eles nos elevam, nos fazem sentir honrados e vivos. “Benfeitores aqui significa”, escreve Makransky, “alguém que nos enviou um desejo de amor, o simples desejo de que estejamos bem e felizes”. Ele sublinha o ponto de que os benfeitores não precisam ser infalíveis. Na meditação, trazemos à mente a imagem de nosso benfeitor e imaginamos que ela nos envia sua aspiração por nosso bem-estar, felicidade e alegria mais profundas.

Se usamos a técnica da imagem de compaixão ou a abordagem dos momentos benfeitores, a chave é evocar o sentimento de aceitação incondicional na presença de alguém ou algo que nos faz sentir confortáveis e seguros. Com a prática, nós gradualmente expandimos nosso círculo de benfeitores.

Auto-gentileza

Muitos de nós nos sentimos menos pacientes conosco do que com os outros, perdoamos menos nossos próprios erros, e somos menos capazes de nos ver de modo positivo. Com a prática de auto-compaixão, aprendemos a mudar isso ao estender nossa gentileza e preocupação naturais a nós mesmos. Abrimos o círculo de compaixão que criamos e permitimos que nós mesmos entremos.

Uma prática de visualização que ajuda muitas pessoas a evocar seu sentimento de preocupação e cuidado gentil naturais em relação a elas mesmas é imaginar-se como uma criança e, então, permitir que o sentimento natural por ela se desdobre. Podemos usar uma foto, se isso ajudar a termos essa perspectiva com nós mesmos. Nas aulas do TCC usamos essa meditação:

Exercício: auto-gentileza

Imagine-se como uma pequena criança, um bebê, talvez livre mas ainda vulnerável, andando pra lá e pra cá e derrubando coisas pelo caminho. Ou, se for mais útil, imagine uma idade da infância do qual você se recorde. Você não se sente instintivamente protetor em relação a essa criança? Em vez de julgamento negativo, crítica e repreensão, você não sente carinho e um impulso de cuidar?

Deixe esses sentimentos de carinho e cuidado pelo seu eu-criança permear seu coração e, então, silenciosamente repita as frases:

Que você esteja livre da dor e do sofrimento...
Que você esteja livre do medo e da ansiedade...
Que você vivencie paz e alegria...

Uma colega que é uma instrutora-sênior do treinamento de compaixão em Stanford, Margaret Cullen, compartilhou comigo uma história comovente de sua aula. Em um dos diversos cursos de compaixão que Margaret ministrou a grupos de apoio para pessoas com câncer na Bay Area, havia um homem que se matriculou junto com a esposa, uma paciente com câncer. Quando o curso de oito semanas começou, ela estava usando um acessório de plástico bem intimidador no peito — seu câncer havia se espalhado para os ossos. O casal estava na faixa dos 70 anos e tinha bastante afeição um pelo outro.

Ao final do curso, a esposa parou de vir pois estava doente demais para sair de casa. Contudo, o marido continuou a participar porque ele estava achando as aulas úteis em sua tarefa diária de cuidar da esposa.

Na semana anterior, o grupo tinha acabado de terminar os exercícios de compaixão, que incluíam essa meditação guiada sobre a criança. Durante a abertura da aula, em que os participantes compartilham suas experiências da semana, o homem disse que retrocedeu para encontrar um senso de si mesmo como uma criança; e, assim, conseguiu recuperar o sentimento de que ele era amável. Ele tinha uma foto de si nos braços dos pais e se sentiu feliz e de coração aberto para si mesmo como um bebê.

Ele avançou diversos anos depois para uma memória de um Natal em que estava feliz. A família estava em Minnesota, havia neve, e ele compartilhou diversos detalhes sobre a ocasião que o faziam sentir-se bem. Depois disso, ele reconheceu coisas difíceis que surgiram em sua vida e o transformaram no homem que é hoje. Ele sentiu dor, e viu como se fechou por causa disso e, então, teve compaixão pelo homem.

Ele compreendeu porque estava protegendo a si mesmo. Então decidiu que não precisava mais viver desse jeito, defensivo e fechado. Pensou: “O que de ruim pode acontecer?”. Depois desse insight, esse idoso de modos bem estritos decidiu ir ao mundo e abrir seu coração a quem quer que encontrasse.

Sobre o câncer de sua esposa, ele disse: “Nunca tive problema em sentir compaixão pelos outros, mas por mim mesmo, aí é outra história”. O convite para que se visualizasse como uma criança permitiu esse jorro de compaixão. Ele sentiu que um peso foi tirado de suas costas: sentiu que tinha energia e era livre.

Como nosso objetivo é mudar o próprio modo como nos relacionamos conosco — como nos percebemos, nossas atitudes conosco, como lidamos com nossas necessidades e problemas, e como nos sentimos sobre nós mesmos — curtas práticas de meditação sentado não serão suficientes. Como no cultivo de nossa intenção, atenção e gentileza-amorosa, precisamos trazer nossas práticas transformadoras para o cotidiano.

No TCC, falamos de “práticas informais”, quando usamos situações do dia-a-dia como ocasiões para aplicar as práticas transformadoras. Recomendamos três práticas informais de auto-compaixão:

  1. Tente estar mais consciente de quaisquer pensamentos, conversa interna negativa e auto-crítica.
  2. Perceba que esses são apenas pensamentos, construções e interpretações; são representações e não fatos.
  3. Explore maneiras de como refrasear julgamentos negativos em avaliações mais compassivas.

Digamos que você fale algo que se arrependa, disparando a conversa interna inútil (“Idiota!”, “como pude fazer isso de novo?”, “sou um perdedor”). Quando isso acontecer, o primeiro passo é notar o que está acontecendo — você escorregou em um auto-julgamento negativo. A prática da auto-consciência ajuda nisso.

Depois, você pode ver que esses rótulos que está atirando em si mesmo, são na verdade apenas seus pensamentos, construídos a partir da frustração e desapontamento consigo? Finalmente, você consegue refrasear esses pensamentos de forma mais construtiva? Em vez de punir-se com “eu não presto”, “sou um idiota”, “como alguém pode me amar?”, você poderia refrasear isso em “acalme-se”, “sinto dor”, “preciso de confiança” etc. Ao expressar a verdade dessa maneira, seu coração vai reconhecer. Refrasear a linguagem do auto-julgamento em auto-gentileza, especialmente se fizer isso regularmente, pode ser uma fonte poderosa de transformação pessoal.

Então, através dessas reflexões e exercícios, podemos aprender a ter mais aceitação, perdão e cuidado conosco, e a sermos menos negativos e julgadores em relação ao que percebemos como falhas e infortúnios — ou seja, a sermos mais auto-compassivos. No entanto, para ser realmente auto-compassivo, precisamos também de uma relação saudável com nossas necessidades legítimas e nossas aspirações básicas como humanos. Precisamos de uma apreciação em um nível físico de nossa humanidade básica, nossa necessidade de amor e felicidade. Isso, então, é o foco da segunda parte da prática de auto-compaixão.

Gentileza amorosa para nós mesmos

Como fizemos com a compaixão no capítulo anterior, invertendo a direção — dos outros para nós mesmos — faremos isso com a gentileza-amorosa também. Como você se lembra, gentileza-amorosa é o lado do cuidado que se manifesta como desejar felicidade a alguém. Ela é calorosa, cuidadosa, gentil e conectada, e espera sucesso e alegria. A gentileza amorosa também é incondicional, não julga e é aberta. Gentileza amorosa para nós mesmos deve ser a coisa mais natural, uma expressão de nossa disposição fundamental: o desejo de ser feliz e evitar o sofrimento.

Uma complicação é que muitas pessoas acreditam que focar-se em si mesmo é inerentemente egoísta ou narcisista. A verdade é que, acima de tudo, a gentileza amorosa por nós mesmos nos torna mais conscientes e gera mais empatia em relação aos sentimentos e necessidades dos outros. Nutrir e aliviar a nós mesmos rejuvenesce, pois passamos a ter mais energia benevolente para se relacionar com os outros e o mundo ao redor. Quando sentimos nossos corações cheios, também tendemos a ser mais generosos com os outros. Quando damos a nós mesmos a gentileza amorosa que precisamos, sentimos que há o suficiente disso para andarmos no mundo, e que podemos dar mais.

Uma maneira de começar é clarificar nossas aspirações mais profundas. Podemos fazer isso ao meditarmos sentados, manter um diário, discussões ou alguma combinação de tudo isso. Quando houver um momento calmo no dia, podemos nos perguntar, do mesmo modo como fizemos ao definir nossa intenção e motivação: “No centro do meu coração, o que realmente quero na vida?”. Se repetirmos esse processo ao longo do tempo, podemos descobrir que os valores que cultivamos podem de fato se tornar os objetivos de nossas aspirações. Reconhecemos que, lá no fundo, aspiramos à felicidade genuína — ao sentido, completude, paz interior, satisfação — e que essa aspiração é um aspecto fundamental de nosso ser. Quando honramos nosso desejo por felicidade, isso se torna um recurso interno magnífico. E como esse desejo vem do núcleo de nossa humanidade, ao abraçá-lo, abraçamos todos que compartilham disso, que basicamente são: todo mundo.

Outra maneira de abordar a gentileza amorosa para nós mesmos é perceber as coisas boas em nossas vidas e se regozijar com isso. Pode ser algo que fizemos ou algo sobre nós com que nos sentimos bem. Pode ser nossa boa fortuna de ter um parceiro amoroso, uma família, uma comunidade. Pode ser simplesmente nosso entusiasmo pela vida. Se nada específico vir à mente, podemos nos regozijar com a capacidade natural para empatia e bondade que possuímos como seres humanos.

Ouvi o Dalai Lama uma vez afirmar: “Celebro minha vida como um ser humano, no mínimo, pela simples habilidade que ela me dá de cantar louvores ao altruísmo”. Essa prática de contar nossa boa fortuna já foi provada como tendo benefícios importantes para a saúde. O desafio é evitar escorregar na auto-indulgência, que apenas infla nosso ego, e permanecer com um regozijo genuíno que é uma expressão da verdadeira gratidão.

Reabastecer nossa fonte interna

Entre os veteranos do centro de tratamento para estresse pós-traumático de Palo Alto, onde o TCC tem sido oferecido já há dois anos, havia um veterano da guerra do Vietnã. Ele achou o componente de auto-compaixão do curso tão valioso que, além de seguir as meditações de auto-compaixão durante as aulas, também arrumou oportunidades de fazer isso durante o dia, especialmente ao participar de outras atividades de grupo (incluindo o grupo de trauma).

Como ele sofria de insônia devido à sua condição, começou a usar o tempo de noite para meditações de auto-compaixão também. Ele disse que compreendeu que seu abuso de drogas por décadas aconteceu por ele não saber como acessar esse sentimento de ver a si mesmo e suas dolorosas experiências de guerra de modo compassivo. Fiquei realmente comovido quando ele falou sobre como se sentiu ao ter auto-compaixão e sobre a vulnerabilidade e fragilidade subjacentes ao seu uso de substâncias.

Uma mãe em um workshop de TCC falou sobre como, através da auto-compaixão, viu que estava ausente de uma relação consigo mesmo por muito tempo. Ela estava tão focado em tomar conta de todos os outros que, nesse processo, se esqueceu dos próprios sentimentos e necessidades. Paradoxalmente, ela compreendeu: negligenciar a si mesma fez com que estivesse menos disponível emocionalmente para sua família. As práticas de auto-compaixão ajudaram-na a reconectá-la com ela mesma. Agora ela quer achar um modo de compartilhar esse insight com suas crianças, para que elas também aprendam a auto-compaixão.

Priorizar a auto-compaixão é como o anúncio durante a decolagem de vôos: “se estiver com crianças, garanta que sua própria máscara de oxigênio esteja afixada antes de ajudar seus filhos”. A força de caráter, coragem do coração e profundidade de sabedoria necessárias para estarmos disponíveis para os outros dependem de nossa compaixão por nós mesmos.

Sobre auto-estima e auto-aceitação, leia também:

Imagem no topo: Unsplash, Pixabay/CC0.

Dalai Lama: chegou a hora de uma espiritualidade e ética que estejam além da religião

Trecho do livro "Beyond Religion" (2011), em que o Dalai Lama explica sua proposta de ética secular -- que basicamente é a mesma aqui de nossa Ação para Felicidade, movimento do qual ele é o patrono.

… Apesar de avanços tremendos em tantas áreas, hoje há ainda grande sofrimento, e a humanidade continua a enfrentar dificuldades e problemas. Enquanto nas regiões mais prósperas do mundo as pessoas desfrutam de estilos de vida com consumo refinado, ainda há incontáveis milhões de pessoas cujas necessidades básicas não são atendidas. Com o fim da Guerra Fria, a ameaça da destruição nuclear global recuou, mas muitos continuam a enfrentar o sofrimento e tragédia de conflitos armados. Em muitas áreas também, pessoas têm que lidar com problemas ambientais que ameaçam seu sustento ou algo pior. Ao mesmo tempo, muitos outros estão lutando para sobreviver diante da desigualdade, corrupção e injustiça.

Esses problemas não se limitam aos países em desenvolvimento. Nos países mais ricos também há muitas dificuldades, incluindo problemas sociais amplamente disseminados: alcoolismo, abuso de drogas, violência doméstica, desagregação familiar. As pessoas estão preocupadas com seus filhos, sua educação e o que o mundo reserva para eles.

Agora também temos que reconhecer a possibilidade de que nós humanos estamos danificando o planeta de um modo que não terá mais volta, uma ameaça que cria ainda mais medo. E todas as pressões da vida moderna trazem junto estresse, ansiedade, depressão e cada vez mais solidão. Como resultado, em todos lugares que vou, as pessoas estão reclamando. Mesmo eu me pego reclamando de vez em quando!

É bem óbvio que alguma coisa está perigosamente faltando no modo como nós humanos estamos fazendo as coisas. Mas o que é que está faltando? O problema fundamental, acredito, é que em todos os níveis estamos dando atenção demais para os aspectos externos e materiais da vida, enquanto negligenciamos a ética moral e os valores internos.

Por valores internos me refiro às qualidades que todos apreciamos nos outros, e sobre os quais todos temos um instinto natural, herdado em nossa natureza biológica, como animais que sobrevivem e prosperam somente em um ambiente de cuidado com o outro, afeição e bom coração — em uma única palavra: compaixão.

A essência da compaixão é um desejo de aleviar o sofrimento dos outros e promover seu bem-estar. Esse é o princípio espiritual à partir do qual todos os outros valores internos positivos surgem. Todos nós apreciamos nos outros as qualidades internas da gentileza, paciência, tolerância, perdão e generosidade; e do mesmo modo todos temos aversão a expressões de ganância, maldade, ódio e intolerância. Então, a promoção ativa das qualidades internas positivas do coração humano, que surgem de nossa disposição interna em direção à compaixão, e o aprendizado sobre como combater nossas tendências mais destrutivas serão apreciados por todos. E os primeiros beneficiários de tal fortalecimento dos valores internos serão, sem dúvida, nós mesmos. Ignoramos nossas vidas interiores sob nosso próprio risco, e muitos dos maiores problemas que temos hoje no mundo são resultado de tal negligência.

Então, o que faremos? Para onde devemos nos voltar em busca de ajuda? A ciência, apesar de todos os benefícios que trouxe ao nosso mundo externo, ainda não forneceu o embasamento científico para o desenvolvimento das fundações da integridade pessoal — os valores humanos internos básicos que apreciamos nos outros e que, se cultivássemos em nós mesmos, seria ótimo.

Talvez precisemos buscar valores internos na religião, como as pessoas têm feito por milênios? Certamente a religião ajudou milhões de pessoas no passado, ajuda milhões hoje e continuará a ajudar milhões no futuro. Mas, apesar de todos os benefícios ao oferecer orientação moral e significado na vida, no mundo secular atual a religião sozinha não é mais algo adequado como uma base para a ética. Uma razão para isso é que muitas pessoas não mais seguem uma religião em particular.

Outro motivo é que, com as pessoas do mundo se tornando cada vez mais intimamente interconectadas em uma era de globalização e sociedades multiculturais, a ética baseada em uma religião específica teria apelo apenas para alguns de nós; ela não seria importante para todos. No passado, quando as pessoas viviam em relativo isolamento umas das outras — como nós tibetanos vivemos bem felizes por muitos séculos, atrás de nossa muralha de montanhas — o fato de alguns grupos terem uma ética baseada na religião não apresentava nenhuma dificuldade. Hoje, contudo, qualquer resposta para o problema de nossa negligência com os valores humanos, que se baseie em uma religião, jamais será universal, portanto será inadequada.

O que precisamos hoje é uma abordagem para a ética que não dependa da religião e que possa ser igualmente aceitável por crentes e descrentes: uma ética secular.

Essa declaração pode parecer estranha vinda de alguém que desde muito cedo vive como um monge em mantos. No entanto, não vejo nenhuma contradição aqui. Minha fé me força a me esforçar pelo bem e benefício de todos os seres sencientes; e estender-me além de minha própria tradição, em direção às pessoas de outras religiões ou de nenhuma, está totalmente de acordo com isso.

Estou confiante que é tanto possível quanto valioso tentar uma nova abordagem secular para a ética universal. Minha confiança vem da convicção de que todos nós seres humanos basicamente temos uma inclinação ou disposição para o que percebemos como bom. O que quer que façamos, fazemos porque pensamos que haverá algum benefício. Ao mesmo tempo, todos apreciamos a bondade dos outros. Somos todos, por natureza, orientados em direção aos valores humanos básicos do amor e compaixão. Todos preferimos o amor dos outros do que seu ódio. Todos preferimos a generosidade dos outros do que sua mesquinharia. E quem entre nós não prefere tolerância, respeito e perdão por nossas falhas do que intolerância, desrespeito e ressentimento?

fbNessa visão, tenho a firme opinião de que temos ao nosso alcance um caminho e um modo para fundamentar valores internos que não contradizem nenhuma tradição religiosa e, ainda assim, de modo crucial, não dependem de religião.

Devo deixar claro que minha intenção não é ditar valores morais. Fazer isso não teria nenhum benefício. Tentar impor princípios morais à partir de fora, impô-los com ordens, jamais será eficaz. Em vez disso, convoco cada um de nós para chegarmos ao nosso próprio entendimento sobre a importância dos valores internos. Porque são esses valores que são a fonte tanto de um mundo eticamente harmonioso, quanto do nível individual da paz de espírito, confiança e felicidade que todos procuramos.

Obviamente que todos as religiões principais do mundo, com sua ênfase no amor, compaixão, paciência, tolerância e perdão, podem e, de fato, promovem valores humanos. Mas a realidade do mundo hoje é que basear a ética na religião não é mais adequado. É por isso que acredito que chegou a hora de encontrarmos uma maneira de pensar sobre espiritualidade e ética que esteja além da religião.

… a mudança efetiva da sociedade só virá através do esforço dos indivíduos: uma parte-chave de nossa estratégia para lidar com esses problemas deve ser a educação da próxima geração. … tenho esperança de que chegará o tempo em que possamos tomar como garantido o fato de que as crianças aprenderão, como parte do currículo escolar, sobre o caráter indispensável de valores como amor, compaixão, justiça e perdão.

junte-se… Para criarmos esse mundo melhor, portanto, que todos nós — idosos e jovens, não como membros deste ou daquele país, desta ou daquela fé, mas simplesmente como membros desta grande família humana de sete bilhões de pessoas — nos esforçemos juntos com visão, coragem e otimismo. Este é meu humilde apelo.

Dentro da escala temporal do cosmos, a vida humana não é mais que um minúsculo piscar. Cada um de nós é um visitante neste planeta, um convidado, que tem um tempo limitado para ficar. Que tolice maior haveria do que gastar esse curto tempo de modo solitário, infeliz e em conflito com nossos visitantes companheiros? Muito melhor, certamente, é usar nosso curto tempo buscando uma vida significativa, enriquecida pelo sentimento de conexão e serviço para os outros.

Até agora, do século 21 apenas uma década se foi; a maior parte ainda está por vir. É minha esperança que este seja um século de paz e de diálogo — um século em que uma humanidade mais cuidadosa, responsável e compassiva vai emergir. Esta também é minha prece.

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dalai-lama-meditating2Dalai Lama ensina meditação sem crenças

Imagem no topo: Jan Michael Ihl, Flickr/CC.

Dalai Lama: como meditar de modo independente de tradições espirituais

O texto abaixo é um trecho do capítulo sobre meditação do livro "Beyond Religion" ("Além da religião", 2011), em que o Dalai Lama descreve como meditar, de modo independente de qualquer tradição espiritual.

Formas de cultivo mental

Todas as principais tradições de fé enfatizam a importância de desenvolvermos nossa vida interior, e muitas das técnicas encontradas em minha própria tradição existem de alguma outra forma nas outras tradições. Em particular, há muitas similaridades entre as diversas práticas de treinamento da mente usadas em diferentes tradições contemplativas indianas. Mas há muito em comum com outras tradições espirituais também. Recentemente, por exemplo, assisti a uma palestra bastante agradável e informativa sobre prece contemplativa, realizada por um monge cristão da ordem carmelita, que apontou algumas semelhanças surpreendentes entre as técnicas cristã e budista.

Entretanto, mesmo com todas as ligações da meditação (ou cultivo mental) com a religião, não há nenhum motivo pelo qual ela não possa ser feita em um contexto completamente secular [independente de crenças]. Apesar de tudo, a disciplina mental em si não exige nenhum compromisso de fé. Ela só requer um reconhecimento de que desenvolver uma mente mais calma e clara é um esforço que vale a pena, e uma compreensão de que fazer isso irá beneficiar tanto a própria pessoa quanto os outros.

No que se refere à minha própria prática diária — com a exceção de certos exercícios especificamente religiosos e devocionais — pratico dois tipos de cultivo mental: meditação discursiva (ou analítica) e meditação de absorção. A primeira é um tipo de processo analítico através do qual o meditador se envolve em uma série de reflexões, enquanto a segunda envolve se concentrar em um objetivo ou objeto específico, posicionando a mente nisso — como se repousássemos profundamente em um tipo de completude. Acredito que combinar as duas técnicas é o mais benéfico.

Uma maneira útil de compreender as diferentes formas de cultivo ou familiarização mental é encarar cada prática na perspectiva de seu objetivo. Há, por exemplo, a prática de usar algo como um objeto: por exemplo, considerar a igualdade de todos os seres como o objeto de contemplação profunda. Depois, há a meditação do cultivo de qualidades mentais positivas. Nela, qualidades como compaixão e gentileza amorosa não são exatamente o objeto da prática, mas sim, a pessoa busca cultivar essas qualidades dentro de seu coração. A primeira dessas duas abordagens se refere ao desenvolvimento de estados mentais mais ligados ao pensamento, como por exemplo, compreensão. Já a segunda desenvolve mais estados mentais ligados à afeição, como compaixão. Podemos nos referir a esses dois processos como “educar a mente” e “educar o coração”.

junte-seComo vivemos em uma época em que muito pode ser feito apenas apertando um botão, alguns de nós podem esperar também ver mudanças imediatas na área do cultivo mental. Podemos supor que a transformação interna é simplesmente uma questão de obtermos a fórmula correta ou recitar o mantra certo. Isso é um erro. O cultivo mental exige tempo e esforço, envolvendo trabalho duro e dedicação prolongada.

Procrastinação

Para iniciantes, o primeiro requisito para o cultivo ou familiarização mental é um compromisso sério de praticar. Sem tal compromisso, é improvável que alguém chegue a apenas separar um tempo para começar. Às vezes, conto uma história sobre o problema da procrastinação.

Havia uma vez um lama que, para encorajar seus alunos a estudar, prometeu que iria levá-los para um piquenique um dia. Esse incentivo teve o efeito esperado, e os jovens monges ansiosamente se aplicaram nos estudos. No entanto, o prometido piquenique não acontecia. Após algum tempo, o estudante mais jovem, não querendo abrir mão da possibilidade de um dia de folga, relembrou o professor sobre sua promessa.

O lama respondeu que estava muito ocupado, então isso teria que esperar. Um longo tempo se passou, e o verão deu lugar ao inverno. De novo, o estudante lembrou o lama: “Quando iremos fazer nosso piquenique?”. “Agora não, estou realmente bastante ocupado”.

Um dia o lama notou uma comoção entre os estudantes. “O que está acontecendo?”, perguntou. Um cadáver estava sendo levado para fora do monastério. “Bem”, respondeu o estudante mais jovem, “aquele pobre homem ali está saindo para um piquenique!”.

O ponto dessa história é que, a menos que separemos tempo e um comprometimento adequado para as coisas que dizemos a nós e aos outros que faremos, sempre teremos outras obrigações e preocupações mais urgentes — enquanto a morte pode interferir a qualquer momento.

Planejar nossa prática

fbDe início, devo adverti-los: como o meditador iniciante irá rapidamente descobrir, a mente é como um cavalo selvagem: leva um longo tempo — e o cavalo precisa se acostumar com o treinador — antes de ele se acalmar e seguir ordens.

De modo similar, apenas com gentil persistência sobre um longo período, os benefícios reais da meditação se tornam aparentes. Claro que podemos separar apenas alguns dias para experimentar um curto programa de treinamento mental, mas é incorreto julgar os resultados antes de realmente termos dado uma chance a esse treino. Pode levar meses, até anos, para compreendermos todos os benefícios.

Horário

Em relação às coisas específicas da prática, o início da manhã em geral é a melhor hora do dia. A mente está em seu estado mais fresco e claro. Entretanto, é importante lembrar que para praticar bem de manhã cedo, é preciso uma boa noite de sono. No meu caso, posso dizer que estou entre os mais afortunados no que se refere ao sono. Apesar de acordar todo dia às 3h30 AM, em média procuro garantir oito ou nove horas de sono adequado.

Para muitas pessoas, isso pode ser difícil de arranjar. Se, por exemplo, houver crianças pequenas na casa, pode não ser possível meditar nas primeiras horas da manhã. Se este for o caso, provavelmente será melhor encontrar outra hora para praticar — preferivelmente, após um cochilo curto ou quando as crianças estiverem fora de casa. Também devo adverti-los de que a mente terá uma tendência ao torpor se você tiver comido muito. Idealmente, você não deve comer muito de noite, se espera praticar bem na manhã seguinte.

Quanto tempo

Em relação à quantidade de tempo que você deve separar para a prática, no início, mesmo dez ou quinze minutos por sessão já é bastante adequado. Na verdade, é muito melhor ter ambições modestas do que embarcar em um programa não sustentável, que mais provavelmente vai te fazer desistir em vez de consolidar um hábito.

Também é útil praticar por alguns minutos várias vezes pelo dia, além da sessão principal. Do mesmo modo que mantemos uma fogueira acesa colocando mais madeira de tempos em tempos, podemos manter a continuidade da meditação, complementando-a aqui e ali para que aquilo que já conseguimos não evapore completamente até a próxima sessão formal.

Local

Em relação a onde praticar, é dito nos manuais clássicos que barulho é como um espinho na mente. Para a maioria das pessoas, portanto, é bastante útil encontrar algum lugar para sentar onde não seremos incomodados por ruídos. Obviamente, também, é uma boa ideia desligar o celular antes de começar. Mas nada disso significa que a meditação não possa ser praticada mais ou menos em qualquer lugar, ou a qualquer hora do dia. Estou falando apenas sobre o modo ideal. Pessoalmente, considero bastante útil meditar enquanto viajo.

Postura

Em relação à postura física apropriada à meditação, qualquer posição confortável funciona, embora se você estiver confortável demais, há o perigo de deslizarmos em direção ao sono. Isso dito, pode ser útil adotar o que geralmente se chama de posição de lótus, em que você cruza as pernas e cada pé descansa sobre a coxa oposta. Uma vantagem dessa posição é que, além de manter-nos aquecidos, a coluna permanece ereta. No início, pode ser desconfortável, então não há problema em simplesmente sentar com as pernas cruzadas parte do tempo, ou usar uma cadeira, se isso também for difícil. De modo similar, para aqueles que — devido à sua tradição religiosa — preferem meditar ajoelhados, isso também serve. Você deve escolher qualquer posição que cause menos distração.

Se escolher a posição de lótus, você pode repousar as mãos em uma posição relaxada, com as costas da mão direita repousando sobre a palma da esquerda. Deixe os cotovelos à vontade, separados um pouco do corpo para que haja um intervalo para o ar passar. Frequentemente, pode ser útil sentar-se sobre uma almofada ligeiramente elevada na parte de trás. Isso ajuda a endireitar a espinha dorsal, que idealmente deve ficar reta como uma flecha, apenas com o pescoço ligeiramente curvado para frente. Manter a ponta da língua tocando a céu da boca ajuda a evitar a sede que pode surgir com certos exercícios de respiração. Os lábios e dentes podem ser deixados como de costume.

Em relação aos olhos, você pode descobrir por si mesmo o que funciona melhor. Alguns acham mais efetivo meditar com os olhos abertos. Para outros, isso distrai demais. Para a maioria, olhos semi-cerrados é o melhor, mas alguns preferem fechar os olhos totalmente.

Relaxar e repousar a mente

Assim que estiver relaxado, a primeira coisa a fazer é respirar fundo algumas vezes. Então, voltando a respirar novamente, tente focar em sua respiração, notando o ar entrando e saindo das narinas. O que você está tentando alcançar é uma mente em um estado neutro, nem positiva nem negativa.

Alternativamente, você pode inspirar e expirar enquanto conta silenciosamente de 1 a 5 (ou 7), e então repita o processo algumas vezes. A vantagem de fazer essa contagem silenciosa é que, ao dar à mente uma tarefa, a chance de ser carregado por outros pensamentos diminui. Em qualquer caso, gastar alguns minutos apenas observando sua respiração em geral é uma boa maneira de chegar a um estado mental mais calmo.

Podemos comparar esse processo de assentar a mente ao tingimento de um tecido. Um pedaço branco de tecido pode ser facilmente tingido de uma outra cor, mas é difícil tingir algo já colorido — a não ser para a cor preta. Do mesmo modo, quando mente está agitada, é difícil chegar a um resultado positivo.

Às vezes você terá dificuldade só para se concentrar, porque sua mente está nas mãos de alguma emoção forte, como a raiva. Em tais ocasiões, pode ser útil repetir quietamente algumas palavras várias vezes. Por exemplo, algo como “eu abro mão de minhas emoções aflitivas” ou, para quem acredita em alguma religião, um curta prece devocional ou mantra repetidos algumas vezes pode relaxar a aflição da emoção. Se essa técnica não funcionar, então talvez você precise se levantar e sair para uma curta caminhada antes de tentar de novo.

Pode haver ocasiões, especialmente no começo, em que pensamentos negativos continuam retornando após pouco tempo. Nesses casos, toda a sessão pode acabar tomada por exercícios para acalmar ou aquietar a mente. Tudo bem: isso ainda é treinamento mental. Ao ganhar alguma experiência sobre como a mente funciona e descobrir quais técnicas funcionam melhor para você, gradualmente você irá se familiarizar com um estado mental mais neutro. Só isso já é um bom progresso.

Quando conseguir estabelecer um estado mais assentado, talvez após alguns minutos, você pode realmente começar o trabalho do cultivo mental.

Nos estágios iniciais do treinamento, é melhor praticar diversos exercícios diferentes em sucessão. No início, você pode achar impossível manter a mente focada por mais de alguns minutos — talvez até mesmo somente alguns segundos — antes que a distração se instale. Isso é bem normal. Assim que perceber que se distraiu, apenas volte gentilmente ao que estava fazendo antes da distração surgir. Não deve haver nenhuma raiva ou auto-condenação quando isso acontecer, apenas um calmo reconhecimento do que a mente está fazendo e um calmo redirecionamento da atenção. O importante é não se sentir desencorajado.

Refletir sobre os benefícios do treinamento mental

Um exercício bastante útil no começo de uma sessão é considerar os benefícios da prática. Um benefício imediato é que a prática traz um breve alívio em relação à preocupação, antecipação e fantasias — frequentemente, obsessivas — com que nossas mentes habitualmente se ocupam. Isso em si é um grande benefício.

Outro benefício para refletir é que a prática é um caminho garantido para uma sabedoria superior, mesmo se esse caminho for longo, com muitos obstáculos a serem superados.

Também é bom investir algum tempo refletindo sobre o que pode acontecer se negligenciarmos a prática. Há o perigo que terminemos como o monge da história do piquenique: carregado para fora como um cadáver, antes de sequer conhecermos os benefícios desse esforço. Alguém que nunca se engaja nesse tipo de trabalho tem muito pouca chance de lidar de modo efetivo com os pensamentos e emoções destrutivas que, quando nos dominam, destroem qualquer esperança de paz de espírito.

Tendo considerado profundamente essas duas possibilidades opostas, e as vantagens de uma em relação à outra, então alternamos entre elas. Ao fazer isso, devemos perceber que os benefícios superam de longe quaisquer argumentos em prol de não praticar. Então, descansamos a mente nessa conclusão por um curto período, antes de passarmos para o próximo estágio da sessão.

Algumas práticas formais

Atenção focada

Uma prática de meditação mais formal é o cultivo da atenção sustentada por concentração unidirecional. Aqui, você escolhe um objeto como o foco de sua atenção. Pode ser uma flor, uma pintura, ou simplesmente uma lâmpada fraca; ou, para um praticante religioso, um objeto sagrado como um crucifixo ou uma imagem do Buda.

Embora, ao começar, seja útil ter o objeto na sua frente como um apoio, de modo último o objeto físico não é o foco da atenção. Em vez disso, uma vez que tenha escolhido seu objeto, tente cultivar uma imagem mental dele, e quando estiver bem familiarizado com ela, fixe sua atenção nessa visualização mental. Essa imagem mental do objeto é o que serve de âncora para sua meditação.

Tendo relaxado e assentado a mente, tente manter o foco no objeto. Visualize-o a cerca de um metro e meio de você na altura das sobrancelhas. Imagine que o objeto tenha cinco centímetros de altura e que irradie luz, tornando a imagem clara e brilhante. Também tente concebê-la como algo pesado. Esse peso tem o efeito de evitar a excitação, enquanto que o brilho do objeto evita o surgimento do torpor.

É melhor, ao fazer esse tipo de meditação, não fechar os olhos completamente, mantendo-os levemente abertos, para baixo. Às vezes, eles podem fechar por si mesmos — e tudo bem. O importante é que não devem nem estar totalmente fechados nem arregalados.

Também devo mencionar que para pessoas como eu, que usam óculos, tirá-los para meditar nem sempre é uma boa ideia. Embora sem óculos haja menos perigo de distrações visuais, podemos — devido à perda de clareza visual — mais facilmente cair no torpor. Isso pode fazer nossa prática se transformar num tipo de devaneio sem direção. Se isso acontecer, uma contramedida útil é pensar em algo agradável, algo que te traga alegria. Outra é pensar em algo que traga sobriedade, até mesmo algo que cause um pouco de tristeza. Ou você pode imaginar estar olhando para baixo a partir do topo de uma montanha, com visão desimpedida para qualquer direção.

Se começar a sofrer com o problema oposto — ficar distraído por algo que estiver vendo — é preciso remover a mente dos olhos. Sentar-se de frente para uma parede nua pode ser útil em tais casos.

Vigilância

Quando o objeto que estiver visualizando estiver estável em seu olho mental — talvez após muitas semanas ou meses de prática persistente — agora tente examinar a própria mente que mantém a visualização do objeto. Aqui você está tentando focar a mente ao mesmo tempo em que a examina, como se vigiasse de canto, para garantir que não está inconscientemente permitindo que ela relaxe demais. Quando a mente relaxa muito, o sono se aproxima! Mas quando conseguir gerar uma imagem mental forte e clara, você pode começar a se familiarizar com o tipo de foco que no dia-a-dia só experimenta ao tentar resolver um problema mental particularmente desafiador.

A ideia aqui é que quando você aprender a realmente focar a mente, então — do mesmo modo que a água é direcionada em uma hidrelétrica para reunir a grande força necessária para girar as turbinas — você pode usar toda a força de sua mente para se focar em qualidades como compaixão, paciência, tolerância e perdão.

Mesmo após chegar a certa habilidade de manter o foco, inevitavelmente você vai se descobrir perdendo a atenção aqui e ali quando sua mente se desvia do objeto, devido a eventos externos ou processos interiores de pensamento. Ao notar que sua mente se distraiu, conscientemente reconheça isso e gentilmente traga-a de volta ao objeto. Se necessário, frequentemente refresque a visualização do objeto para que a clareza da imagem retorne.

Duas qualidades são essenciais nesse tipo de meditação: clareza mental e estabilidade. A clareza mental ajuda a manter o foco. A estabilidade ajuda a garantir clareza, ao monitorar se a atenção continua brilhante. Para ajudar a garantir a presença contínua dessas duas qualidades, você precisa desenvolver e, então, aplicar duas faculdades importantes: atenção plena e vigilância. É através da aplicação constante dessas duas faculdades que você gradualmente aprende a treinar seu foco, tornando-se capaz de sustentar a atenção por um período prolongado.

Então, resumindo: em uma sessão formal típica, começamos assentando a mente através da respiração. Então escolhemos o objeto da meditação e focamos a atenção nele, o tempo todo monitorando se nossa atenção está se desviando. Ao notar a distração, gentilmente trazemos a atenção de volta ao objeto e continuamos. No final, quando quisermos encerrar a sessão, podemos fazer de novo algumas respirações profundas novamente para terminar em um estado mental de relaxamento.

Atenção no momento presente

Com a mente já relaxada por algum tipo de exercício de respiração, uma outra prática útil é tentar repousar sua mente, do jeito que ela é, no estado natural básico de consciência, ou aquilo que chamamos de “consciência do momento presente”.

Quando começar, é importante definir uma intenção enérgica de não permitir que sua mente seja levada por pensamentos sobre o que pode acontecer no futuro ou por lembranças de coisas do passado. Em vez disso, estabeleça a intenção de posicionar sua mente simplesmente no momento presente e de deixá-la ali o maior tempo possível.

Ao fazer essa prática, é uma boa ideia sentar, se possível, de frente para uma parede sem nenhuma cor ou padrão chamativos. Então, após algumas respirações profundas, simplesmente descanse a mente e comece a observá-la.

Isso de fato é algo bastante difícil de fazer no começo. Em nosso dia-a-dia, nosso mundo mental é dominado por estados definidos por objetos, tanto na forma de experiências sensoriais quanto de pensamentos, memórias e ideias. Muito raramente vivenciamos um estado que não esteja amarrado a um conteúdo específico, simplesmente descansando no estado natural de consciência da mente.

Então, quando você começa essa meditação, inevitavelmente você vai notar que sua mente começa a vagar, pensamentos e imagens passam por sua atenção consciente, ou uma memória surge sem nenhum motivo aparente. Quando isso acontecer, não seja capturado pela energia desses pensamentos e imagens, tentando suprimir ou reforçá-los. Simplesmente note e solte, como se fossem nuvens aparecendo no céu e desaparecendo de vista, ou bolhas surgindo e se dissolvendo de volta na água.

Com o tempo, você vai começar a ter lampejos do estado básico de atenção plena de sua mente, ou o que pode ser chamado de “luminosidade básica”. Ao continuar praticando assim, aqui e ali você irá começar a vivenciar curtos intervalos de algo que parece uma ausência ou vácuo, quando sua mente não tem nenhum conteúdo em particular. Seus primeiros êxitos sobre isso serão bem transitórios. Mas com persistência por um longo período, o que começa como um lampejo pode ser gradualmente estendido, e você pode começar a compreender que a mente é como um espelho, ou água límpida, em que imagens aparecem e desaparecem sem afetar o meio no qual elas surgem.

Um importante benefício dessa prática é a habilidade que você ganha de ser capaz de observar os pensamentos sem ser atraído por eles. Como um observador desapegado assistindo um espetáculo, você aprenderá como ver seus pensamentos pelo que eles são: construções de sua mente. Muitos de nossos problemas surgem porque, em nosso estado ingênuo destreinado, confundimos nossos pensamentos com a realidade de fato. Pegamos o conteúdo de nossos pensamentos como se fosse algo real e, baseados nisso, construímos toda nossa percepção e reações em relação à realidade. Ao fazer isso, nos amarramos ainda mais em um mundo que, essencialmente, é nossa criação; e ficamos presos nele, como um pedaço de corda embaraçado em seus próprios nós.

Treinamento em compaixão e gentileza amorosa

Outro tipo de prática bastante benéfica envolve o cultivo de qualidades mentais positivas, como compaixão e gentileza amorosa. Esse tipo de exercício faz uso de processos deliberados de pensamento. De novo, começamos com um exercício preliminar de respiração para relaxar a assentar a mente. Só depois dessa preparação começamos a prática de fato.

Esse treino é particularmente útil para ocasiões em que estiver lutando com sua atitude ou sentimentos em relação a uma pessoa com quem tenha dificuldades. Primeiro, traga essa pessoa à mente, criando uma imagem tão vívida que você quase sente a presença dela. Depois, comece a contemplar o fato de que ela também tem esperanças e sonhos, sente alegria quando as coisas vão bem e tristeza quando não vão. Em relação a isso, não há a menor diferença entre a outra pessoa e você. Exatamente como você, essa pessoa deseja felicidade e não quer sofrimento.

Ao reconhecer essa mesma aspiração fundamental em comum, tente se sentir conectado à pessoa e cultive o desejo de que ele ou ela tenha felicidade. Pode ajudar se você, em voz baixa, repetir o desejo, dizendo algo como: “Que você esteja livre do sofrimento e suas causas. Que você tenha felicidade e paz”. Então descanse a mente nesse estado de compaixão.

Em relação aos dois tipos de treino mental mencionados antes — discursivo e de absorção — este modo de cultivar a compaixão fundamentalmente envolve um processo discursivo, mas aqui e ali também é bom repousar a mente em um estado de absorção, de modo parecido com a chegada a uma conclusão em comum em uma discussão.

… essa combinação de métodos — treinamento mental discursivo com absorção — é igualmente útil para o cultivo de outras qualidades internas, como paciência e resistência.

“Vamos trabalhar pela paz em vez de esperar pela ajuda de Deus, de Buda ou de governos”

Trechos de entrevista do líder tibetano após os ataques em Paris:

“O século 20 foi violento, mais de 200 milhões de pessoas morreram devido a guerras e outros conflitos. Vemos agora o sangue derramado no século passado transbordar para este. Se dermos mais ênfase à não violência e à harmonia, poderemos proclamar um recomeço. A menos que façamos sérios esforços para alcançar a paz, continuaremos a ver uma reprodução do caos que a humanidade vivenciou no século 20.

As pessoas querem levar uma vida pacífica. Mas os terroristas têm vista curta, e esta é uma das causas dos desenfreados atentados suicidas. Não podemos resolver esse problema apenas através de orações. Eu sou budista e acredito na oração. Mas foram os seres humanos que criaram esse problema, e agora estamos pedindo a Deus para resolvê-lo. É ilógico. Deus diria: resolvam-no sozinhos porque vocês mesmos o criaram.

junte-sePrecisamos de uma abordagem sistemática para fomentar valores humanistas, que promovam unidade e harmonia. Se começarmos agora, há esperança de que este século possa ser diferente do anterior. É do interesse de todos. Por isso, vamos trabalhar pela paz em nossas famílias e na sociedade, em vez de esperar pela ajuda de Deus, de Buda ou de governos.”

Sua mensagem principal sempre foi de paz, compaixão e tolerância religiosa, mas o mundo parece estar indo na direção oposta. A sua mensagem não ressoou nas pessoas?

fb“Eu discordo. Acho que apenas uma pequena porcentagem das pessoas adotaram o discurso da violência. Nós somos seres humanos, e não há base ou justificativa para matar outras pessoas. Se você considera os demais como irmãos e irmãs, e respeita seus direitos, não resta espaço para a violência.

Além disso, os problemas que estamos enfrentando hoje são resultado de diferenças superficiais entre crenças religiosas e nacionalidades. Somos um só povo.”

Vemos líderes políticos obcecados com o crescimento econômico, mas que não se importam com a moralidade. Você se preocupa com essa tendência?

“Nossos problemas vão aumentar se não posicionarmos princípios morais à frente do dinheiro. A moralidade é importante para todos, inclusive para religiosos e políticos.”

Leia a entrevista inteira aqui.

Da felicidade pessoal em direção à compaixão

O texto a seguir é um trecho do livro "A Force For Good", escrito por Daniel Goleman, sob a orientação do Dalai Lama.

— “Qual é a fonte da felicidade?”, um estudante da Universidade de Princeton perguntou ao Dalai Lama.

Olhando os estudantes em volta aguardando a resposta, o Dalai Lama parou alguns momentos e, então, provocou: “Dinheiro!”.

Esperou mais um pouco e: “Sexo!”.

Depois: “Boate!”.

Sua piada demoliu o auditório.

Então ele continuou, dizendo que quando vemos o mundo através de uma lente materialista, consideramos tais estímulos sensoriais como sendo fontes de satisfação ou alegria. Mas, acrescentou, focar-se apenas no prazer dos sentidos nos deixa eternamente insatisfeitos, porque tais prazeres duram pouco.

Quando encontrei o Dalai Lama na Itália para este livro, ele tinha acabado de ser convidado para uma conferência sobre a natureza da felicidade pelo lorde Richard Layard, a quem minha esposa e eu visitamos na semana seguinte em seu escritório na London School of Economics.

O objetivo da vida, Layard nos disse, deve ser criar o máximo possível de felicidade e o mínimo possível de sofrimento no mundo à nossa volta.

Layard e seus aliados buscaram lançar um movimento social baseado nessa ideia, para oferecer uma alternativa à predominante obsessão por enriquecimento financeiro. Eles querem disseminar uma visão melhor sobre o que é uma vida feliz e satisfatória.

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Richard Layard, co-fundador da Ação para Felicidade, com o líder tibetano.

Assim começou a Ação para Felicidade (Action for Happiness, no exterior), um movimento secular que engloba muitas das maneiras que a religião usa para dar às pessoas uma âncora ética e emocional — ensinando como se engajar na vida, com um propósito, tratando bem os outros — mas de modo a atrair também pessoas que não se interessam por religião. Como um sinal de sua aprovação, o Dalai Lama aceitou ser o “patrono” do movimento.

junte-seAo se juntar à Ação para Felicidade, as pessoas assumem o compromisso: “Tentarei criar mais felicidade e menos infelicidade no mundo ao redor”. Isso significa realizar ações que aumentam o próprio bem-estar, mas também criam mais felicidade nas vizinhanças, ambientes de trabalho, escolas e comunidades, diz Mark Williamson, diretor do movimento.

O número de membros da Ação para Felicidade chega às dezenas de milhares pelo mundo, e 60% estão em países bem longe da Inglaterra, mas “a magia está nos pequenos grupos cara-a-cara“, conta Williamson. O modelo parece um pouco com o dos alcóolicos anônimos, em que qualquer pessoa está qualificada para iniciar um grupo local, onde as pessoas se encontram regularmente em torno de um formato fixo.

Cada encontro começa com alguns minutos de atenção plena e expressões de gratidão, com o tópico da discussão sendo o coração da sessão. Os encontros terminam com as pessoas escolhendo alguma ação para realizar, por exemplo: ajudar alguém em dificuldade ou se conectar a uma pessoa solitária. Um grupo iniciou um Café da Felicidade, onde pessoas com objetivos similares se reunem para compartilhar ideias sobre como criar uma vizinhança mais feliz e que dê mais apoio.

Participantes do curso, em Londres.
Participantes do curso, em Londres.

Durante o curso “Explorar o que realmente importa”, o principal programa do movimento, grupos se encontram por oito semanas, com cada sessão focada em uma grande questão para discussão. Eles começam com a pergunta “o que realmente importa na vida?”, e depois “o que realmente nos faz feliz?” — seguidas por sessões sobre como lidar com adversidades, ter bons relacionamentos, se preocupar e cuidar dos outros, criar ambientes de trabalho e vizinhanças mais felizes. Eles terminam com: “Como criar um mundo mais feliz?”.

Essa progressão a partir do senso de sentido e felicidade pessoais, até a compaixão altruísta, geralmente leva as pessoas a encontrar maneiras de ajudar os outros. Por exemplo, Jasmine Hodge-Lake chegou à Ação para Felicidade devido à sua dor crônica. Problemas de saúde crônicos e profundos criaram uma mistura tóxica de sofrimento que levou sua vida para um beco sem saída.

Incapaz de trabalhar, e tendo estado em dor constante por mais de uma década, ela passava seus dias em desespero. Um curso para lidar com a dor, que não trouxe nenhum alívio, a fez sentir-se ainda mais impotente, lançando-a fundo na depressão. “No final, senti: não tenho mais esperança”, diz Jasmine. “Essa é a minha vida: uma não-vida”.

Para piorar, ela se sentia isolada. “Eu não queria ficar no meio de pessoas. Pensava que ninguém realmente se importava comigo”, lembra ela.

Por acaso, ela se deparou com o website do movimento, que inclui uma lista simples das “10 chaves para uma vida mais feliz” — uma delas, por exemplo, é se conectar mais a pessoas. Para Jasmine, essa lista trouxe a compreensão de que havia coisas práticas que ela podia fazer para se tornar mais feliz. Então, entrou no curso de oito semanas.

A primeira “lâmpada que acendeu” foi durante a reprodução de uma palestra de Jon Kabat-Zinn sobre atenção plena. Ela viu que poderia mudar sua relação com a dor: aceitá-la em vez de lutar contra. Essa mudança interna diminuiu sua aflição emocional, mesmo que a sensação física de dor tenha continuado.

Outra lâmpada brilhou durante a semana sobre o tema “O que faz um trabalho ser significativo e satisfatório?”. Jasmine, dando-se conta que havia perdido a paixão por praticamente tudo, decidiu trabalhar com outras pessoas sofrendo com dor crônica, para ver como ela poderia ajudá-los.

“Eu ainda estava bem deprimida, mas comecei a fazer mais coisas”, conta Jasmine. “Foi incrível como as ferramentas que a Ação para Felicidade me deu ajudaram. Descobri que havia coisas úteis que eu podia fazer. Comecei a ter esperança sobre o futuro”.

Com essa mudança interna, ela passou a pensar em como melhorar o apoio a pessoas que vivem com dor crônica. “Compreendi que precisamos de uma nova abordagem: uma que contenha mais esperança e que use algumas das ideias que aprendi na Ação para Felicidade”.

Jasmine hoje informalmente aconselha outras pessoas sofrendo com dor crônica sobre como elas podem ser ajudadas — e ela procura dar esperança a eles. Ela está no processo de se tornar uma “voz paciente” em um novo programa para aprimorar as diretrizes dos cuidados com pacientes no sistema médico britânico. E também está espalhando a ideia da Ação para Felicidade, passando o cartão das “10 chaves para uma vida mais feliz”, e encorajando as pessoas a se envolverem.

“Não estaria aqui agora sem a Ação para Felicidade e aquele curso”, afirma. “Ainda tenho dias ruins e a vida certamente não é perfeita. Mas isso me ajudou tanto! Agora estou tentando ser a mudança que gostaria de ver”.

Imagem no topo: Fountain Posters, Wikimedia Commons/CC.

Ativismo compassivo

O que o movimento Ação para Felicidade teria de interessante para pessoas que já seguem algum caminho espiritual?

Diversos textos neste site explicam o que queremos, mas de um ponto de vista secular. Por exemplo:

Ao nos apresentarmos, falamos em grande parte para pessoas sem nenhuma religião ou fé específicas.

No entanto, nosso secularismo não é uma oposição à religião, mas sim algo que também abraça pessoas com qualquer afiliação religiosa. Esta noção particular de secularismo costuma ser usada, por exemplo, pelo Dalai Lama ao se referir ao governo da Índia: é um governo secular no sentido de que respeita igualmente todo tipo de fé, incluindo a não-fé.

O Dalai Lama é o patrono de nosso movimento não exatamente por ser um mestre espiritual realizado, mas sim por estar entre os maiores promotores da ética secular e valores humanos de modo universal.

Então o que teríamos a oferecer para quem já segue um caminho espiritual?

Em termos de satisfação e bem-estar pessoais, provavelmente não temos nada a acrescentar. Mas nosso movimento não é sobre alcançar mais felicidade pessoal, e sim sobre importar-se com a felicidade dos outros (e isso, inevitavelmente, afeta positivamente a própria felicidade).

Então, para pessoas que seguem um caminho espiritual, a Ação para Felicidade também pode ser uma rica plataforma de ação compassiva no mundo: somos também um movimento humanitário. E, para pessoas que estão preocupadas com o bem-estar alheio ou o alívio de seu sofrimento, atuar ativamente nesse sentido, incluindo a possibilidade de diversas ações em conjunto, pode ser uma ótima maneira de realizar essas aspirações.

Fé e ciência

Obviamente que nosso movimento não pretende ser um substituto para o caminho espiritual de ninguém. A ideia é nos unirmos por um bem comum.

junte-sePor exemplo, outro possível ponto de interesse para praticantes espirituais é que o conhecimento baseado em pesquisas científicas que divulgamos pode atuar como um contraponto útil — ou até reforço — para a fé, já que muitas dessas pesquisas confirmam os insights que pessoas de fé vêm realizando há séculos — por exemplo, sobre os benefícios do altruísmo ou meditação.

Ética secular

Uma das características de muitos praticantes espirituais mais experientes é que eles passam a falar menos em termos de suas próprias doutrinas, e mais de um modo que seja compreensível e acessível para um número maior de pessoas.

E o Dalai Lama não é o único. Muitos desses líderes vêm chamando a atenção para a necessidade de se promover valores humanos — como solidariedade e compaixão — entre pessoas sem fé. A ideia é desfazer o mal-entendido de que esses valores estão ligados à religião.

Por exemplo, hoje em dia, se alguém chegar em uma roda de amigos descrentes e dizer que está tentando ser mais amoroso com o próximo, instantaneamente as outras pessoas vão imaginar que ela se converteu para alguma religião, encontrou um “guru” etc. Quando na verdade, amor ao próximo é um valor ético básico, independente de crenças.

O fato de que valores humanos como compaixão estão sendo rejeitados e descartados, por serem confundidos com religião, é um problema moderno com que diversas pessoas — incluindo muitos praticantes espirituais — se preocupam, já que isso contribui para uma sociedade menos humana. Não é uma questão de converter ninguém para um sistema religioso moral, mas sim de promover a ética secular, um conjunto de valores humanos totalmente independente de doutrinas espirituais.

Esse é um dos objetivos centrais da Ação para Felicidade, sendo portanto também uma área de atuação em que seguidores espirituais podem ter entusiasmado interesse.

(este texto se refere mais a uma visão pessoal do autor)

Imagem: Minette, Flickr/CC.

Ajude a criar um mundo mais feliz

O movimento Ação para Felicidade (Action For Happiness) no Reino Unido está finalizando uma campanha de arrecadação para poder disponibilizar o curso de oito semanas que desenvolveram em escala global.

dalailama-afhO Dalai Lama, patrono do movimento, ao dar as bençãos durante o lançamento do curso em setembro, deixou a mensagem:

Como patrono da Ação para Felicidade, estou encantado vendo o trabalho sendo feito pelos membros desse movimento para criar uma sociedade mais feliz e compassiva. Eu apóio de todo coração o curso “Explorando o que importa” e espero que muitos milhares de pessoas sejam por ele beneficiados e que se inspirem para que suas próprias ações ajudem a criar um mundo mais feliz.

Caso se interesse em ajudar a tornar isso possível, nos regozijamos todos:

Crowdfunder | What really matters in life? #HappierWorld