Conheça seus pensamentos, escolha suas ações

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A ciência nos mostra que nossos pensamentos sobre o que acontece conosco podem ter um grande impacto sobre como nos sentimos e a maneira como agimos. Não apenas sobre os grandes eventos da vida, mas também as pequenas situações ou aborrecimentos diários.

O conteúdo de nossos pensamentos, porém, não é sempre claro e óbvio. Estar mais sintonizado com nossos padrões de pensamento pode ter um grande impacto em nossa felicidade, comportamento e relacionamentos.

Por que fazer isso?

Esse tipo de familiarização é uma das habilidades fundamentais ligadas à resiliência, e foi cientificamente demonstrado que afeta positivamente a felicidade.

É fácil acreditar que quando coisas ruins acontecem conosco, o próprio evento causa o modo como nos sentimos, sendo esse o resultado, que então nos leva a reagir ou comportar de uma determinada forma. Por exemplo, quando sentimos uma onda de raiva quando alguém no trânsito corta repentinamente na nossa frente, ou o sentimento de culpa quando perdemos um prazo.

No entanto, pesquisas recentes mostram que não é o evento em si que causa reações emocionais, mas sim os pensamentos automáticos que passam pela cabeça como uma reação imediata ao evento. Essas reações emocionais podem ser tão rápidas que o conteúdo de nossos pensamentos não fica claro.

Enquanto em muitas situações nossos pensamentos e, consequentemente, nossas reações emocionais serão apropriadas, podem existir momentos em que não serão. Se os nossos pensamentos não são claros, particularmente em resposta a eventos negativos, eles podem conduzir a emoções e reações exageradas. Além disso, podemos entrar num ciclo prejudicial à nossa felicidade não apenas no momento, mas também a longo prazo.

Há forte evidência científica indicando que ao ganhar habilidade para reconhecer nossos pensamentos em resposta às coisas que acontecem, e reconhecer quando esses pensamentos forem imprecisos, podemos melhorar a compreensão e gerenciamento de nossas reações emocionais, e também a escolha de como reagimos.

Isso pode ter um impacto significativo em nossa felicidade, assim como em nossas interações com as pessoas com quem vivemos, trabalhamos ou estudamos.

Por onde começar

1. Classificar em A-B-C

O primeiro passo é aprender como desembaraçar nossos pensamentos, sentimentos e ações.

O dr. Albert Ellis, um dos fundados da terapia cognitiva comportamental, desenvolveu o que é frequentemente chamado de modelo A-B-C, que é uma forma útil de desmembrar as coisas.

A é o evento “ativador”, aquilo que aconteceu; B é a “crença” (“belief”, em inglês), ou os pensamentos que imediatamente correm por nossa cabeça ; e C refere-se às “consequências” – as emoções que sentimos e como reagimos como resultado.

O que o dr. Ellis descobriu é que a maneira como as pessoas interpretam os eventos da vida, e as coisas que elas dizem a si mesmas (B) têm uma enorme influência sobre como se sentem emocionalmente e como se comportam (C).

Os exemplos abaixo mostram como diferentes pensamentos sobre o mesmo evento podem afetar nossos sentimentos e comportamentos. Você pensa mais como Tim, Laura, Mel ou Davi?

EXEMPLO 1

Evento ativador – Você está trabalhando muito em um relatório cujo prazo de entrega está se aproximando. Sua chefe pergunta pela segunda vez naquela semana como vai indo o relatório e te lembra que ela gostaria de lê-lo antes que fosse enviado para os clientes.

Tim
Crença – “Ela acha que sou um inútil incapaz de fazer isso sozinho. Que não estou sendo rápido o suficiente, e que já deveria ter terminado esse trabalho.”
Consequência – Sente-se estressado, preocupado e triste. Não consegue se concentrar no relatório e acaba cometendo erros desnecessários. Não consegue dormir direito naquela noite.

Mel
Crença – “Ufa! Este projeto é importante e fico feliz que ela esteja sempre verificando, e queira analisá-lo antes que seja distribuído.”
Consequências – Sente-se segura e apoiada. Continua trabalhando no relatório, verificando-o antes de enviar para a revisão da chefe.

EXEMPLO 2

Evento ativador – Você teve um dia ruim. No caminho para casa, vê um amigo que não encontra há semanas do outro lado da rua. Você acena para ele, mas parece que ele simplesmente te ignorou.

Laura
Crença – “Por que ele simplesmente me ignorou? Devo ter feito algo que o desagradou. Ou talvez ele apenas não goste tanto assim de mim.”
Consequências – Sente-se triste e decepcionada. Não faz planos para aquela noite. Evita encontrar com ele ou ligar para ele por um tempo. Não liga para outros amigos.

Davi
Crença – “Ele parece bastante distraído e um pouco mal humorado. Espero que esteja bem.”
Consequências – Sente-se bem – um pouco preocupado. Liga para ele quando chega em casa para saber se está tudo bem.

2. Desafiando seus pensamentos

Sintonizar-se com nossos pensamentos ou crenças (B) é uma prática desconhecida para a maioria de nós. De maneira geral, um evento (A) vai desencadear em nós algum tipo de resposta emocional que então vai influenciar nosso comportamento (C). Com frequência – a não ser que nos policiemos para parar e refletir – não temos consciência de nossos pensamentos (B) que desencadearam a emoção, ou deixamos nossa interpretação passar em branco.

Pode acontecer, é claro, de nossa interpretação estar correta e a maneira como nos sentimos e agimos em resposta ser apropriada. Mas ter consciência daquilo que dizemos para nós mesmos (B), de modo mais sistemática e cuidadoso, nos permite desafiar pensamentos irracionais ou desnecessários ao nos perguntarmos questões como:

  • Qual é a evidência de que o que estou pensando seja verdade?
  • Quais são as outras possíveis explicações?
  • Quão útil foi esse pensamento para mim?

Se o pensamento for verdadeiro:

  • O que pode acontecer de pior e qual é a probabilidade disso?
  • O que pode acontecer de melhor e qual é a probabilidade de ocorrer?
  • O que tem a maior probabilidade de acontecer, honestamente?
  • O que posso fazer para lidar com isso?

Isso pode impedir que nos colocarmos em situações ou espirais negativas desnecessariamente, e nos permitir ter controle sobre como reagir.

No exemplo 2 acima, Laura poderia ter desafiado a si mesma ao se perguntar que evidência tinha de que ela teria desagradado seu amigo; ou poderia ter pensado sobre por que ele não a notou (talvez não estivesse usando óculos; ou sob muita pressão no trabalho, estivesse preocupado demais). Ao pensar nessas alternativas, ela provavelmente se sentiria menos deprimida e mais propensa a contatar seus amigos.

Experimente o modelo A-B-C utilizando exemplos do dia-a-dia, ou um evento que esteja fresco na memória. Talvez escrever como no exemplo acima seja útil. Ao descrever o evento ativador (A), esteja certo de ater-se ao que realmente aconteceu – é fácil incluir nossos pensamentos.

Continue praticando – bons hábitos demandam esforços, mas são difíceis de serem quebrados também!

3. Identificar padrões

Se você se tornar hábil em sintonizar-se ao modo como pensa e interpreta os eventos, pode começar a perceber que você fica mentalmente dizendo o mesmo tipo de coisa para si o tempo todo.

Talvez você seja alguém que sempre jogue a culpa em si mesmo. Ou que sempre jogue a culpa nos outros quando as coisas não dão certo. Ou alguém que pensa que não é bom o bastante, que os outros são sempre melhores do que você. Talvez você tenha tendência de se preocupar o tempo todo – até mesmo com coisas que podem não acontecer (e frequentemente não acontecem).

Como os exemplos do modelo A-B-C acima demonstram, cada modo de interpretar um evento tem um impacto nas nossas emoções e comportamento. Se desenvolvemos um padrão específico de pensamentos inúteis, provavelmente um padrão de emoções inúteis também vai ser criado. Por exemplo, pessoas que culpam a si mesmas são mais propensas a experimentar sentimentos de culpa ou tristeza, enquanto pessoas que tendem a culpar os outros vão sentir mais raiva. Pessoas que acham que não são boas o suficiente tendem a sentir-se tristes, constrangidas ou envergonhadas.

Então, é uma boa ideia ser especialmente cauteloso com as frases prontas que você diz para si mesmo. Elas podem não estar sempre erradas, é claro – mas é sensato aprender como identificá-las rapidamente e desafiá-las quando surgirem em sua mente. Isso pode ajudá-lo a não cair em uma inútil espiral descendente.

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Imagem no topo: Nevit Dilmen, Wikimedia Commons/CC.

Referências
. Ellis, A. (2007). How to Make Yourself Happy And Remarkably Less Disturbable. Calif.:Impact
. Lyubomirsky, S. (2008). The How of Happiness: A Scientific Approach To Getting The Life You Want. Chapter 6.New York: Penguin Press
. Reivich, K & Shatté, A. (2003).The Resilience Factor: Seven keys to finding your inner strength and overcoming life's hurdles. NY: Broadway Books
. Seligman, M.E.P. (2006). Learned Optimism: How to Change Your Mind and Your Life. NY: Vintage Books