(chave 9 entre as “Dez chaves para uma vida mais feliz”)
Todos nós temos momentos de estresse, perdas, fracasso ou traumas em nossas vidas. Mas a forma como reagimos tem grande impacto em nosso bem-estar. Frequentemente não podemos escolher o que nos acontece, mas a princípio podemos escolher nossa própria atitude em relação ao que acontece. Na prática isto não é sempre fácil, mas umas das mais interessantes descobertas em pesquisas recentes é que resiliência, como muitas outras habilidades de vida, pode ser aprendida.
O que queremos dizer com resiliência?
A palavra resiliência vem do latim “resilio” — pular para trás, voltar — e seu uso tem aumentado na linguagem atual para descrever nossa habilidade de lidar e se recuperar de adversidades. Algumas pessoas a descrevem como a habilidade de se flexionar ao invés de quebrar, quando sob pressão ou em dificuldade; ou a habilidade de perseverar e se adaptar ao enfrentar desafios [1]. As mesmas habilidades também nos ajudam a estar mais abertos e dispostos a novas oportunidades. Desta forma, ser resiliente é mais do que sobreviver — inclui soltar, aprender e crescer assim como encontrar formas saudáveis de lidar com dificuldades [2].
Pesquisas mostram que resiliência não é uma qualidade rara, encontrada em poucas pessoas extraordinárias. Uma especialista no assunto, dra. Ann Masten, a descreve como a “mágica comum”, explicando que é algo que vem das nossas capacidades, relacionamentos e recursos normais do nosso cotidiano [3]. Ela diz que resiliência não é uma característica estática de um indivíduo, mas sim contém muitos fatores, internos e externos. E que podemos ser naturalmente resilientes em algumas situações ou momentos em nossas vidas, e não o sermos em outras. Cada pessoa e cada situação é diferente [4].
Todos podemos ser mais resilientes
Todos nós podemos fazer algo para aumentar nossa resiliência. Todos temos oportunidades de experimentar altos e baixos, portanto construir nossa resiliência é algo valioso. Não podemos sempre controlar o que acontecerá em nossas vidas, mas podemos criar uma variedade de habilidades e nutrir nossos recursos para nos ajudar a responder de forma flexível, lidar de forma efetiva com os desafios, nos recuperarmos mais rapidamente e até mesmo aprender e crescer como resultado final [1][5][6].
Isso pode até reduzir o risco de depressão e ansiedade, e nos permitir envelhecer apropriadamente [1][4]. Além do mais, as mesmas habilidades podem nos ajudar a lidar com o medo de enfrentar novas oportunidades e ajudar a nos desenvolvermos de outras formas também.
A resiliência é influenciada por três grupos de fatores: nosso desenvolvimento como criança e adolescente, fatores externos (como nossos relacionamentos com os outros e nossa fé) e fatores internos (como a forma que escolhemos interpretar os acontecimentos, administrar nossas emoções e ajustar nosso comportamento) [1][4].
Como pais, ou aqueles que trabalham com crianças, podemos fazer muito para ajudar a formar a resiliência de crianças e adolescentes. Enquanto adultos, não podemos fazer nada em relação à nossa infância, no entanto há muito a fazer em relação aos fatores externos e internos, fundamentais para construirmos nossa resiliência. Na verdade, pesquisas mostram que é possível desenvolver resiliência em adultos, assim como em crianças [1][4][7].
Construir habilidades de resiliência
Há um ditado famoso: “o que não mata, nos fortalece” — e a ciência demonstrou que existe alguma verdade nisso. Passar por adversidades em nossas vidas aumenta nossa resiliência fazendo com que aprendamos a lidar com elas e a reconhecer e nos conectarmos a nossa rede de apoio. Também traz um senso de superação de adversidades passadas, o que nos ajuda a confiar na ideia de que poderemos lidar com isso no futuro. Todos, provavelmente, já tivemos experiências que foram estressantes no início (como por exemplo uma nova tarefa na escola ou trabalho) para, mais tarde, descobrirmos que não nos desgastamos mais com atividades assim. É muito importante, no entanto, aprender que, nas dificuldades, nossos recursos para superar problemas podem se desgastar, mas não esgotar [8].
Os psicólogos dra. Karen Reivich, dr. Andrew Shatté (junto com a dra. Jane Gillham) dizem que muitos de nós não estamos preparados como deveríamos para enfrentar adversidades, então corremos o risco de desistir ou nos sentirmos desamparados frente às dificuldades. Baseados numa extensa pesquisa, eles acreditam que nossa capacidade de resiliência não está definida em nossos genes, nem há limites para saber quão resilientes somos capazes de ser.
Eles desenvolveram e estudaram uma série de habilidades cognitivas e comportamentais que foram cientificamente demonstradas como sendo formadores de resiliência em crianças e adultos [1]. Com esforço e compromisso nós podemos aprender e colocar em prática essas habilidades. Sete estão detalhadas no livro “The Resilience Factor” e algumas das ações sugeridas pela Ação para Felicidade se baseiam nestas habilidades.
Muitas das outras ações neste website — que podem ajudar a você e as pessoas ao redor a serem mais felizes — também são estratégias de resiliência. Se você já está colocando algumas dessas estratégias em prática, provavelmente já está no caminho para desenvolver instrumentos e técnicas úteis que também serão valiosas em momentos mais difíceis [9].
Relacionamentos e resiliência
Um dos recursos externos principais para a resiliência é a nossa rede de relacionamentos com outras pessoas, tais como família, amigos, vizinhos e colegas de trabalho [1][4][8]. Ter tempo para nutrir nossos relacionamentos é parte vital para formar resiliência e ajuda a criar comunidades mais felizes e resilientes.
Muitos destes relacionamentos são recíprocos — nós podemos apoiá-los assim como eles nos apoiam. Apoio pode variar desde simplesmente fazer uma xícara de chá e ouvir alguém, a algo mais prático como tomar conta de crianças, ir fazer compras e ajudar em casa. Uma rede de apoio também pode ser uma fonte de ideias e conselhos que ajudam a decidir melhor as coisas. Redes sociais fortes também criam comunidades mais felizes, o que ajuda a aumentar a resiliência de todos nós.
E apoio não é apenas estar presente nos momentos difíceis, compartilhar boas notícias também é importante para a construção dos relacionamentos e aumento da felicidade.
Saber quando precisamos de ajuda e pedir por ela também é parte fundamental da resiliência. Há momentos em que precisamos procurar ajuda profissional, como por exemplo um médico, uma instituição de caridade ou centro de aconselhamento, um conselheiro ou terapeuta.
Otimismo realista
Um ingrediente crucial para a resiliência é o otimismo. Não o otimismo “irreal” ou a negação de que algo ruim aconteceu ou pode acontecer — esta é uma estratégia tão prejudicial quanto sempre esperar pelo pior. Os otimistas realistas são aqueles que trabalham seus problemas como sendo desafios, o que pode incluir planejamento para os piores cenários.
Eles apreciam ativamente os aspectos positivos da situação, sem negar os negativos. Não se iludem achando que são invencíveis ou que não há problema (como um otimista irreal faria) e não se rendem ao destino, pensando que nada pode ser feito (como o pessimista faria). Eles aspiram por um resultado positivo e trabalham para que isso aconteça [1]. Em outras palavras, reconhecem o que conseguem controlar — e fazem algo a respeito — e o que não conseguem, e assim focam seus esforços de acordo com o que precisam.
Pesquisas mostram que os otimistas conseguem lidar com problemas de forma melhor, procuram o apoio dos outros e provavelmente não se afastarão das pessoas a sua volta. Enfrentar problemas e procurar por aconselhamento permite encarar as situações de forma mais clara e racional — podem até ser mais realistas do que pessimistas. Eles são mais habilidosos em encontrar benefícios nas situações em que se encontram e sentem emoções menos negativas e menos estresse — e não porque ignoram as dificuldades da vida, mas porque as enfrentam [10].
Encontrar benefício na adversidade
Nossa habilidade em lidar com a adversidade pode ser influenciada por nossa habilidade em interpretar uma situação presente ou recente. Encontrar um jeito de colocá-la em perspectiva, como por exemplo pensar naqueles em pior situação e/ou encontrar um modo de compreender o que está acontecendo, pode ser útil. Um processo parecido, e que pode ser bastante construtivo, é reconhecer algum benefício advindo da dificuldade [11]. Isto não é negar o que aconteceu ou mascarar com aspectos positivos irreais. No entanto, tentar ver algo bom em eventos negativos, quando possível, pode ser uma estratégia saudável [8].
Encontrar benefício na adversidade não é algo raro. Por exemplo, um estudo com pessoas que sobreviveram ao câncer de mama, aponta que dois terços das participantes disseram que suas vidas mudaram para melhor depois de desenvolver a doença. Um dos benefícios citados foi que suas doenças atuaram como um “despertador” que as fez prestarem atenção no que realmente importava em suas vidas [12]. Da mesma forma, outros estudos mostraram que indivíduos que lidaram de modo eficaz em outras situações como HIV e doenças cardíacas, também tiveram a tendência parecida de identificar um benefício em suas doenças [13].
Experiências que colocam as pessoas face-a-face com a fragilidade da vida podem fazer com que apreciem mais seus relacionamentos e a importância de viver o presente, por exemplo. Outros sobreviventes de traumas disseram que agora possuem uma nova crença em suas forças e recursos, estão mais confortáveis em situações de intimidade, demonstram maior compaixão em relação aos que estão sofrendo e que desenvolveram uma filosofia de vida mais profunda e satisfatória [13].
Procurar ativamente por benefícios potenciais, mesmo que pequenos, pode ajudar no processo de recuperação, reduzir a tendência à depressão e ajuda a construir nossa resiliência [11]. O que é certamente importante é ter tempo para refletir e processar os acontecimentos que nos fazem capazes de — não apenas entender e ver benefício no que aconteceu — mas também incluir o fato em nossas vidas ao invés de ignorá-lo [13].
No entanto, uma consideração importante deve ser feita: encontrar benefício na adversidade é algo extremamente individual: não é possível para qualquer um em qualquer situação. Na verdade, depende da natureza do evento negativo. Não devemos nos sentir na obrigação de encontrar algo positivo, nem nos sentirmos culpados ou envergonhados quando não conseguimos [13].
Crescimento pós-traumático
A recuperação após um grande trauma, dor ou perda é uma grande conquista; é difícil e leva tempo. Não é incomum que algum grau de mudança esteja envolvida neste processo, mesmo que seja uma mudança nas circunstâncias ou em como nos sentimos sobre nossas vidas. Em algumas situações essa mudança pode ser profunda — uma mudança na qual descobrimos quem somos, ou mudamos a direção de nossas vidas — pesquisas indicam que algumas pessoas experimentam um crescimento pessoal significativo como resultado de eventos negativos.
Isso é conhecido como crescimento pós-traumático (PTG, na sigla em inglês) e é definido por psicólogos como “uma mudança psicológica positiva vivida como resultado de um esforço em condições de vida desafiadoras”. Esse processo tende a surpreender as pessoas, uma vez que muitas vezes não é um objetivo consciente. É resultado de uma mudança fundamental na forma que como nos vemos e vemos o mundo. Uma quantidade significativa de pesquisas recentes concentrou-se nos fatores que caracterizam tal crescimento:
- Ruptura “sísmica” no maneira como nos vemos;
- Reconhecimento de que mudamos de forma significativa, para melhor, como resultado de um evento;
- Uma reconfiguração significativa do modo como sentimos o mundo;
- Aprofundamento dos relacionamentos pessoais através dos atos de compartilhar e contar com os outros;
- Desenvolvimento ou domínio de novas habilidades;
- Rever a importância de objetivos e prioridades, ou delimitar novas;
- Crença espiritual mais forte ou ligação com algo maior [11].
Encontrar benefício na adversidade é algo relativamente comum e passageiro, e é definido como um mecanismo para lidar com o evento. Já o crescimento prós-traumático requer um processamento ativo do significado da mudança, e tempo para identificar, delimitar e agir para a realização dos novos objetivos. Esse processo resulta frequentemente em uma mudança da nossa identidade e comportamento, portanto é algo visível para os outros [11].
As pesquisas não sugerem que há algo inerentemente bom nos traumas e perdas dolorosas — não há mesmo. Mas elas mostram que quando eventos acontecem, somos forçados a parar, sair da nossa vida cotidiana e enfrentar problemas fora do comum, sendo possível que algo bom surja desse esforço.
Imagem no topo: Kevin Dancelme, Wikimedia Commons/CC.
Referências [1] Reivich, K & Shatté, A. (2003). The Resilience Factor: Seven keys to finding your inner strength and overcoming life's hurdles. NY: Broadway Books [2] Styles, C (2011) Brilliant Positive Psychology: What Makes Us Happy, Optimistic And Motivated [3] Masten, A.S. (2001). Ordinary magic. Resilience processes in development. American Psychologist, 56, 227-238. [4] Masten, A.S, & Wright, M.O. (2010). Resilience over the lifespan: Developmental perspectives on resistance, recovery and transformation. Handbook of Adult Resilience, 213-237. [5] Tedeschi, R.G. & Calhoun, L.G.(2004). Posttraumatic Growth: Conceptual Foundations and Empirical Evidence, Psychological Inquiry,15,1-18 [6] Masten, A.S., Cutuli, J.J., Herbers, J.E. & Reed, M.J. (2009). Resilience in Development. In Eds: S.J. Lopez, & C.R. Snyder, Oxford Handbook of Positive Psychology. NY:Oxford University Press [7] Avey, J.B., Luthans, F., & Jensen, S.M. (2009). Psychological capital: A positive resource for combating employee stress and turnover. Human Resource Management, 48, 677-693. See also: Luthans, F. (2002). The need for and meaning of positive organizational behavior. Journal of Organizational Behavior, 23, 695-706. [8] Seery, M.D., Holman, E.A., & Silver, R.C. (2010). Whatever does not kill us makes us stronger: Culmulative lifetime adversity, vulnerability and resilience. Journal of Personality and Social Psychology, 99, 1025-1041. [9] Lyubomirsky, S. (2008). The How of Happiness: A Scientific Approach To Getting The Life You Want. Chapter 6. New York: Penguin Press [10] Carver, C.S., Scheier, M.F., Miller, C.J., & Fulford, D. (2009). Optimism. In S.J. Lopez & C.R. Snyder (Eds.) Oxford Handbook of Positive Psychology. NY: Oxford University Press [11] Davis, C.G. & Nolen-Hoeksema, S. (2009). Making sense of loss, perceiving benefits and posttraumatic growth. In Eds: S.J. Lopez, & C.R. Snyder, Oxford Handbook of Positive Psychology. NY:Oxford University Press [12] Taylor, S.E., Lichtman, R.R., & Wood, J.V. (1984). Attributions, beliefs about control and adjustment to breast cancer. Journal of Personality and Social Psychology, 46, 489-502. [13] Lechner, S.C., Tennen, H. & Affleck, G. Benefit finding and Growth. (2009) In Eds: S.J. Lopez, & C.R. Snyder, Oxford Handbook of Positive Psychology. NY:Oxford University Press [14] Tedeschi, R.G. & Calhoun, L.G.(2004). Posttraumatic Growth: Conceptual Foundations and Empirical