(chave 10 entre as “Dez chaves para uma vida mais feliz”)
Ninguém é perfeito. Mas com frequência comparamos nossas falhas com as qualidades dos outros. A fixação em nossos defeitos — aquilo que não somos ou temos, em vez do que temos — dificulta ainda mais a felicidade. Aprender a aceitar-se — com verrugas e tudo mais — e ser gentil consigo mesmo quando as coisas dão errado, aumenta a capacidade de desfrutar a vida, a resiliência e o bem-estar. Também ajuda a aceitar os outros como são.
A auto-crítica constante em nossas mentes, sobre não ser bom o suficiente é um caminho garantido para a infelicidade. Isso não significa que devemos ignorar nossos pontos fracos ou as coisas ruins que acontecem, mas sim que devemos aceitar que ninguém é perfeito, incluindo nós mesmos. Significa colocar em perspectiva nossas imperfeições (e coisas que nos acontecem), vendo-as como algo rotineiro em vez de incomum. Também é uma mudança de foco, movendo-se daquilo que não temos ou não podemos fazer, em direção àquilo que temos ou podemos fazer.
Auto-aceitação explicada
Psicólogos descrevem nosso bem-estar em duas partes: sentir-se bem (aquilo que talvez normalmente consideramos como felicidade) e funcionar (ou atuar) bem. Atuar bem é um aspecto composto de diversos fatores-chaves mentais que contribuem para quão bem ou feliz nos sentimos. Um desses fatores é a auto-estima ou auto-aceitação [1][2].
A auto-estima, ter um sentimento positivo sobre nós mesmos [2] tem sido um objeto de estudos psicológicos há bastante tempo. A auto-aceitação expande esse conceito para incluir: o conhecimento de nossas forças e fraquezas, estar de bem com o passado e sentir-se bem consigo mesmo com consciência de nossas limitações [1]. É importante notar que a auto-aceitação não significa ignorar onde não estamos bem ou nossos erros, sendo mais uma questão de trabalhar a favor e não contra.
O renomado psicólogo Albert Ellis, descreveu duas opções: aceitar-nos condicionalmente (ou seja, sob certas condições, como por exemplo, no caso de termos sucesso) ou incondicionalmente (sob todas as circunstâncias). A primeira opção, diz ele, “é mortal” — se não preenchermos todos os requerimentos que definimos para nós mesmos, nos imaginamos como perdedores ou inúteis, em vez de aceitar o fracasso como parte normal da vida e aprender com isso [4].
Se estivermos deficientes em auto-aceitação, podemos ficar perturbados com aspectos sobre quem pensamos que somos, e passar a ansiar a ser alguém diferente, o que leva a expressões negativas sobre si mesmo. E isso realmente fica no caminho para realizarmos nosso potencial, nossa felicidade.
Auto-estima demais
Há bastante evidência científica de que pessoas com um senso equilibrado de auto-valorização e auto-estima (avaliar que somos bons e valiosos) vivenciam mais felicidade e otimismo, e menos negatividades, depressão e ansiedade do que as pessoas com menos auto-estima [3][6].
Mas a auto-estima em si também pode ser problemática. De fato, Martin Seligman, o “pai” da psicologia positiva, alertou sobre os perigos de inflar excessivamente nosso lado positivo [5]. Por exemplo, isso leva a uma sensibilidade cada vez maior a comentários negativos sobre nós, tornando o auto-aperfeiçoamento difícil, e pode levar a raiva e agressão quando nosso ego é ameaçado [6].
A auto-estima (diferentemente da auto-aceitação) tipicamente se baseia em julgamentos sobre nosso desempenho em áreas específicas da vida — por exemplo, aparência ou rendimento no trabalho, escola ou certa atividade, como esportes ou artes. Como essas avaliações dependem de nossa atuação naquela área, o quão bem nos sentimos flutua conforme nosso último sucesso ou fracasso [6].
A auto-estima também implica um julgamento sobre nosso desempenho em relação a outras pessoas, então pode levar a um senso de superioridade — e, consequentemente, separação — em relação aos outros. Como nossas relações com as outras pessoas formam uma fonte-chave de felicidade, ter auto-estima demais pode sabotar nossa satisfação [6]. Então ao mesmo tempo que a auto-estima pode nos deixar mais felizes (e certamente baixa auto-estima nos faz mais infelizes), isso não é sempre uma coisa boa.
Auto-compaixão
Todos conhecemos a expressão “faça aos outros o que você gostaria que fizessem a você”, mas talvez isso também precise ser invertido. Somos mais severos com nós mesmos em relação a coisas que, nos outros, teríamos compaixão. Imagine um amigo íntimo que não conseguiu uma promoção no trabalho. Não diremos a ele: “você não serve” ou “jamais vai chegar a lugar nenhum”. Provavelmente, diríamos: “você pode tentar de novo” ou “talvez você deva procurar um trabalho em que suas habilidades sejam mais valorizadas”.
A neurociência e psicologia modernas recentemente começaram a explorar o tema da “auto-compaixão”, um conceito budista de milhares de anos. Pesquisas estão mostrando que a auto-compaixão está associada com maior felicidade, otimismo, curiosidade, resiliência e menos depressão e ansiedade, sugerindo que ela tem todos os benefícios da auto-estima (e até mais) e poucas de suas desvantagens. Por exemplo, aparentemente ela promove a construção de relações com os outros [6].
A auto-compaixão é definida com base em três partes que se sobrepõe:
- Ser gentil e compreensivo consigo mesmo em momentos de sofrimento e aparente inadequação;
- Um sentido de humanidade compartilhada, que reconhece a dor e fracasso como aspectos inevitáveis da vida para todos os seres humanos;
- Uma consciência equilibrada de nossas emoções: a habilidade de encarar (em vez de evitar) pensamentos e sentimentos dolorosos, mas sem exagero, drama ou auto-piedade.
Kristin Neff, psicóloga de ponta no estudo da auto-compaixão, diz que se pensarmos que somos a única pessoa a estragar tudo ou que não é boa em algo, isso nos faz sentir inadequados e pode levar a sentimentos de vergonha, que faz com que cortemos contato com os outros. Por outro lado, se compreendermos que isso é algo que todos sentimos às vezes na vida, isso traz um sentimento de estar conectado aos outros e nos habilita a ter o mesmo cuidado, gentileza e preocupação com nós mesmos, do mesmo modo como fazemos com as pessoas próximas. Em outras palavras, ela diz, a auto-compaixão “está disponível exatamente quando a auto-estima nos deixa na mão” [6].
As pesquisas de Kristin e de outros também demonstram que a auto-compaixão promove o auto-aperfeiçoamento e reduz a comparação com os outros (que também é um obstáculo para nossa felicidade). Ela ajuda a colocarmos nossos problemas em perspectiva e, assim, reduz a paralisante auto-piedade. Como se trata de cuidar de nós mesmos, ser auto-compassivo nos motiva a trabalhar os desafios e aprender com os erros. De fato, foi demonstrado que ela está positivamente relacionada com o desenvolvimento de novas habilidades e conhecimentos [6].
A auto-aceitação e auto-compaixão estão também intimamente relacionadas com atenção plena e meditação.
Leia também: Como cultivar auto-compaixão.
Referências [1] Ryff, C.D., & Singer, B.H. (2008), Know thyself and become what you are: a eudaimonic approach to psychological well-being. Journal of Happiness Studies 9:13-39 [2] Huppert, F.A. & So, T. (2009) What percentage of people in Europe are flourishing and what characterises them? Briefing document Prepared for the OECD/ISQOLS meeting"Measuring subjective well-being: an opportunity for NSOs?" 23/24 July, 2009, Florence, Italy. [3] Ryff, C.D. (1989), Happiness is everything, or is it? Explorations on the meaning of psychological well-being. Journal of Personality and Social Psychology,57, 1069-1081 [4] Ellis, A. (2007). How to Make Yourself Happy and Remarkably Less Disturbable. CA: Impact Publishers [5] Peterson, C., & Seligman, M. E. P. (2004).Character strengths and virtues: A handbook and classification.New York: Oxford University Press/Washington, DC: American Psychological Association. [6] Neff, K.D. (In press) Self-compassion, self-esteem and wellbeing.Social and Personality Compass [7] Fredrickson, B.L., Cohn, M.A., Coffey, K.A., Pek, J., & Finkel, S.M. (2008). Open hearts build lives: Positive emotions, induced through loving-kindness meditation, build consequential personal resources. Journal of Personality and Social Psychology, 95, 1045-1062